quarta-feira, 4 de maio de 2011

Revisão de texto

Escrever e reescrever mais de uma vez o mesmo texto é um importante
meio para se aprimorar a habilidade de escrita dos alunos (CECÍLIA LANA)
Todos os profissionais que trabalham com a escrita precisam, em determinado momento, revisar seus textos. Não há jornalista que nunca
tenha tido que alterar uma reportagem depois da revisão do editor. Da mesma maneira, escritores e poetas precisam reelaborar alguns trechos
ou estrofes antes de lançarem seus livros. E até mesmo aqueles que só fazem uso da escrita para fins corriqueiros, como redigir um e-mail ou
um lembrete, muitas vezes, precisam fazer alterações em seus textos depois de uma leitura silenciosa.
Para o professor Sírio Possenti, do Departamento de Linguística da Universidade Estadual de Campinas, se é assim que as coisas acontecem
"na vida real", é assim que deve funcionar em sala de aula: "As práticas escolares devem tentar se aproximar das práticas reais de escrita. Lá
fora, todo mundo revisa. O ideal é que, na escola, a revisão também faça parte do processo de escrita naturalmente", defende.
O professor Antônio Augusto Gomes Batista, da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais, explica que a revisão
textual é uma parte importante do amplo processo pedagógico de ensinar a produzir textos. Segundo ele, o objetivo do ensino de português
é fazer com que o aluno domine os usos públicos da língua. "É por isso que é importante tentar criar na escola uma situação de uso da língua
parecida com as situações que estão fora da escola", diz.
Dizer mais e dizer melhor
De acordo com a professora da FaE e pesquisadora do Ceale Gladys Rocha, que trabalhou com a questão em sua dissertação de mestrado, o professor pode propor a revisão de diversas maneiras em sala de aula: é possível dividir os alunos em grupos e pedir que eles revisem, juntos, o texto de um colega. 
Pode-se, também, assinalar para o aluno o trecho confuso e solicitar que ele reorganize aquelas ideias. E, ainda, existe a possibilidade de copiar o trecho de uma redação no quadro para que toda a turma sugira, conjuntamente, formas
de reescrevê-lo. Ela ressalta que o mais importante é que a criança aprenda, ao longo do processo, o que significa revisar. Segundo Gladys Rocha, o aluno precisa ser capaz de refletir sobre o próprio texto e delimitar as estratégias para que o leitor compreenda exatamente aquilo que ele, autor, gostaria de dizer. "Esse é o movimento que a gente tem que ensinar ao aluno", afirma.
Esse planejamento do texto em função do público leitor é um dos aspectos mais difíceis – e importantes – no aprendizado de habilidades textuais, segundo Antônio Augusto Gomes Batista. "Ordenar as ideias, decidir o que pode ser deixado implícito e o que precisa ser dito explicitamente, saber o que você precisa contar para o leitor e o que é dispensável, esses são os aspectos que costumam ser mais problemáticos."
Pode ser difícil, mas não é impossível. Gladys Rocha conta que costumava devolver os textos aos alunos sem nenhuma marcação e pedir que eles escrevessem novamente, melhorando tudo o que fosse possível no "jeito de contar", para que o leitor compreendesse melhor a história. "Assim a criança vai, aos poucos, aprendendo que ela pode melhorar. Algumas entendem da primeira vez, outras não", diz. Os resultados da investigação da pesquisadora mostraram que, durante um processo de revisão, a criança, inicialmente, consegue "dizer mais". E, com o tempo, consegue também "dizer melhor".
Gladys Rocha ressalta a importância de os textos serem entregues aos alunos sem marcações. "Se você marca, você condiciona a revisão da criança aos elementos selecionados e não permite que ela atue como leitora do próprio texto. Aí não são criadas, efetivamente, as condições para que ela possa dizer mais e dizer melhor", alerta.
Conhecimento aplicado
O grande problema de se trabalhar a revisão com marcações e códigos é quando esse tipo de abordagem focaliza apenas aspectos estéticos ou ortográficos. "É claro que esses aspectos importam, mas, no meu entendimento, a centralidade da revisão deve ser na construção do texto, na textualidade, na continuidade, na progressão das ideias", defende Gladys Rocha. Para a pesquisadora, o trabalho dos aspectos ortográficos com alunos de 1ª a 4ª série deve ser o último passo do processo de revisão e precisa ocorrer apenas depois que o texto, do ponto de vista discursivo, já estiver bem estruturado.
Quando se trata de alunos um pouco mais velhos, a atividade de revisão de textos pode ajudar o professor a resolver aquele que é um dos maiores problemas do ensino de português: a maneira como se dá a transmissão de determinados conhecimentos linguísticos. Muitas vezes, no dia a dia da sala de aula, o que acontece é que lições de gramática e ortografia acabam sendo ensinadas de modo descontextualizado, desligadas dos usos sociais da língua.
"A revisão textual possibilita que o professor explore certos conhecimentos
linguísticos não por eles mesmos, mas tendo em vista sua aplicação em uma
situação específica", observa Antônio Augusto Gomes Batista. Essa ideia é
defendida também pelo linguista Sírio Possenti, que acredita que "o momento
da revisão é o verdadeiro lugar da aula de gramática".
Jornal Letra A   outubro/novembro de 2010 - Ano 6 - n°24

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário!!!!