quarta-feira, 4 de maio de 2011

Do almanaque de farmácia às histórias em quadrinhos

Com uma leitura útil, prazerosa e próxima dos interesses dos alunos, esse
gênero textual pode ser um facilitador da aprendizagem (CECÍLIA LANA)
A palavra almanaque, hoje em dia, é geralmente associada a dois tipos de publicação: as destinadas ao público infantil, que reúnem histórias em quadrinhos, como os almanaques
Disney e Turma da Mônica, e as de caráter enciclopédico, que trazem informações curtas, sobre assuntos variados, como o Almanaque Abril.
Entretanto, os almanaques são publicações antigas que, em sua concepção original, diferem bastante do modo como são conhecidos atualmente. "As publicações que geralmente
encontramos hoje e que levam a palavra almanaque possuem apenas alguns aspectos do gênero típico", diz a pesquisadora Margareth Park, do Centro de Memória da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo a professora Vera Casa Nova, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, o que ficou do velho almanaque foi o
layout, ou seja, o modo como o conteúdo é apresentado, cuja característica principal é a presença massiva de figuras e recortes variados.
Gênero textual de leitura ligeira, os almanaques traziam seções curtas com assuntos diversos, como informações de cunho histórico e geográfico, cartas de leitores, anedotas,
crônicas, receitas culinárias, charadas, dicas de atividades para lazer, horóscopo, calendário e até previsão do tempo. No Brasil, o apogeu de circulação dos almanaques típicos
ocorreu entre as décadas de 1920 e 1970. Os mais populares eram os chamados almanaques de farmácia, distribuídos gratuitamente, sempre no início do ano, por laboratórios
brasileiros que se aproveitavam da publicação para divulgar seus produtos e informar sobre doenças. Ainda circulam no país o Almanaque Renascim Sadol, do Laboratório
Catarinense, e o Almanaque Brasil, publicação mensal da Andreato Comunicação e Cultura.

Almanaque e educação
Os almanaques constituem um importante capítulo da história da leitura
no país e seu uso sempre esteve ligado à educação. Vera Casa Nova explica
que eles funcionavam como um "centro de informações" para as pessoas
que não tinham acesso a outros tipos de texto. "Eram uma mini enciclopédia
das classes populares." As investigações da pesquisadora Margareth Park,
realizadas entre os anos de 1995 e 1998, também apontaram para o uso
de almanaques como material de leitura das classes menos favorecidas
economicamente. "Eu pesquisei em Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Em muitos desses Estados, nas casas das
famílias mais pobres, os únicos materiais escritos encontrados eram bíblias
e almanaques", conta.
Espécie de literatura popular, semelhante à de cordel, os almanaques
possibilitam trabalhos interessantes em sala de aula. "Os mais antigos
costumavam conter poemas, contos e crônicas de escritores renomados.
Olavo Bilac, por exemplo, que era o ‘príncipe dos poetas’, enviava seus poemas
para as gráficas e sempre estava nos almanaques. Também alguns textos de
Machado de Assis eram encontrados com frequência", diz Vera Casa Nova.
O escritor Monteiro Lobato, que planejou, escreveu e ilustrou a primeira
edição do Almanaque Biotônico Fontoura, um dos mais populares almanaques
de farmácia, já sugeria que a publicação fosse distribuída em escolas. Para
ele, as crianças eram o grande público desse gênero textual.

Em sala de aula
O trabalho com almanaques em classe pode proporcionar ganhos
pedagógicos tanto no terreno da linguagem quanto em relação ao ensino
de aspectos históricos e geográficos. O professor pode utilizar as edições
antigas ou as que circulam atualmente. É possível também propor atividades
interessantes com os almanaques infantis de histórias em quadrinhos,
mesmo que eles não correspondam integralmente ao velho gênero
almanaque.
A pesquisadora da Unicamp, Maria das Graças Sândi, que dá aulas na
rede estadual de ensino de São Paulo, dá algumas sugestões: "Pode-se
trabalhar com o Almanaque do Asterix para discutir aspectos do Império
Romano, por exemplo. Também é possível discutir sobre o capitalismo a
partir das histórias do Tio Patinhas, ou sobre as representações do Brasil
nas histórias do Zé Carioca. Outro almanaque que pode dar uma boa aula
sobre questões a respeito da nacionalidade brasileira é o Turma do Pererê,
do Ziraldo". Para a professora, o tipo de texto presente nos almanaques, mais
próximo do interesse do aluno, torna-se um facilitador da aprendizagem.
Outro trabalho interessante foi o proposto pela professora Maria Helena
Senger, da Escola do Sítio, em Barão Geraldo, distrito de Campinas (SP), a
alunos do 2º ano do ensino fundamental. A educadora trabalhou com edições
antigas (desde a década de 1930) dos almanaques Biotônico Fontoura e
Renascim Sadol, estimulando os alunos a estabelecer comparações entre
a vida no passado e a vida atualmente. "Por meio das ilustrações, eles
eram capazes de perceber as transformações na moda, na tecnologia e
na geografia do espaço urbano", observa. Segundo a professora, um dos
maiores ganhos pedagógicos da atividade foi esse estímulo à expansão das
noções de tempo e espaço dos alunos. "O trabalho concretizou melhor para
eles a ideia de que existe um passado muito mais distante que o ‘ontem’."
Numa etapa posterior, os alunos escreveram e ilustraram um almanaque,
o que permitiu um intenso trabalho com aspectos da linguagem.
Jornal Letra A   outubro/novembro de 2010 - Ano 6 - n°24

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