Multiple facets of literacy and initial reading instruction
Magda Soares
Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
RESUMO
Busca
recuperar a evolução dos conceitos de letramento e alfabetização
ao longo das duas últimas décadas, identificando, nesse período, um
movimento de progressiva invenção da palavra e do conceito de
letramento e concomitante desinvenção da alfabetização, entendida
como a perda de especificidade desse processo, o que vem tendo como
conseqüência uma nova modalidade de fracasso escolar: o precário
nível de domínio da língua escrita em ciclos ou séries em que esse
domínio já deveria ter sido alcançado. Discutem-se as causas dessa
perda de especificidade do processo de alfabetização, e propõe-se uma
distinção entre alfabetização e letramento que preserve a
peculiaridade de cada um desses processos, ao mesmo tempo em que se
afirma sua indissociabilidade e interdependência. Caracteriza-se o
momento atual como sendo de tentativas de reinvenção da alfabetização,
considerada necessária desde que entendida não como a volta a
paradigmas do passado, mas como recuperação da especificidade da
alfabetização em suas múltiplas facetas, e sua integração com o
processo de letramento.
Palavras-chave: alfabetização; letramento; métodos de alfabetização
ABSTRACT
Describes
how the concepts of literacy and initial reading instruction
developed in Brazilian education throughout the last two decades,
characterising this development as a progressive invention of the
word and concept of literacy and a concomitant dis-invention of the
concept of initial reading instruction, which lost its specific
characteristics, bringing about a new type of school failure: the
serious reading and writing difficulties among students at advanced
levels of schooling. The text discusses the causes of this phenomenon
and stresses the need to distinguish clearly between initial reading
instruction and literacy, so that each process is seen as specific
and, at the same time, as associated with and dependent on the other.
The present situation is characterised as an attempt to re-invent
initial reading instruction, meaning not a turning back to past
methodologies, but as a recovery of the distinctive features of the
initial reading instruction process in its multiple facets,
guaranteeing at the same time its integration with the literacy
process.
Key-words: initial reading instruction; literacy; initial reading instruction methods
Introdução
O
título e tema deste texto pretendem ser um contraponto ao título e
tema de outro texto de minha autoria, publicado há já quase vinte
anos: "As muitas facetas da alfabetização" (Cadernos de Pesquisa, nº52, de fevereiro de 1985). Uso a palavra contraponto
para indicar que o que aqui intento fazer é um entrelaçamento dos
dois textos, não uma reformulação, muito menos um confronto. É
que, relendo, hoje, "As muitas facetas da alfabetização", encontro
ali já anunciado, sem que ainda fosse nomeado, o conceito de letramento,
que se firmaria posteriormente, e, de forma implícita, as relações
entre esse conceito e o conceito de alfabetização; segundo, porque,
passados quase vinte anos, as questões ali propostas à reflexão
parecem continuar atuais, e grande parte dos problemas ali apontados
parece ainda não resolvida. O contraponto que pretendo desenvolver é
a retomada de conceitos e problemas, buscando identificar sua
evolução ao longo das duas últimas décadas, em um movimento que vou
propor como sendo de progressiva invenção da palavra e do conceito de letramento, e concomitante desinvenção da alfabetização, resultando na polêmica conjuntura atual que me atrevo a denominar de reinvenção da alfabetização.
Para
prevenir sobressaltos, adianto, já neste momento inicial de minhas
reflexões, que meu objetivo será defender, numa proposta apenas
aparentemente contraditória, a especificidade e, ao mesmo tempo, a
indissociabilidade desses dois processos alfabetização e letramento,
tanto na perspectiva teórica quanto na perspectiva da prática
pedagógica.
A invenção do letramento1
É
curioso que tenha ocorrido em um mesmo momento histórico, em
sociedades distanciadas tanto geograficamente quanto
socioeconomicamente e culturalmente, a necessidade de reconhecer e
nomear práticas sociais de leitura e de escrita mais avançadas e
complexas que as práticas do ler e do escrever resultantes da
aprendizagem do sistema de escrita. Assim, é em meados dos anos de
1980 que se dá, simultaneamente, a invenção do letramento no Brasil, do illettrisme, na França, da literacia, em Portugal, para nomear fenômenos distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, embora a palavra literacy
já estivesse dicionarizada desde o final do século XIX, foi também
nos anos de 1980 que o fenômeno que ela nomeia, distinto daquele que
em língua inglesa se conhece como reading instruction, beginning literacy tornou-se
foco de atenção e de discussão nas áreas da educação e da linguagem,
o que se evidencia no grande número de artigos e livros voltados
para o tema, publicados, a partir desse momento, nesses países, e se
operacionalizou nos vários programas, neles desenvolvidos, de
avaliação do nível de competências de leitura e de escrita da
população; segundo Barton (1994, p. 6), foi nos anos de 1980 que the new field of literacy studies has come into existence.
É ainda significativo que date aproximadamente da mesma época (final
dos anos de 1970) a proposta da Organização da Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) de ampliação do conceito de literate para functionally literate,
e, portanto, a sugestão de que as avaliações internacionais sobre
domínio de competências de leitura e de escrita fossem além do medir
apenas a capacidade de saber ler e escrever.
Entretanto,
se há coincidência quanto ao momento histórico em que as práticas
sociais de leitura e de escrita emergem como questão fundamental em
sociedades distanciadas geograficamente, socioeconomicamente e
culturalmente, o contexto e as causas dessa emersão são
essencialmente diferentes em países em desenvolvimento, como o
Brasil, e em países desenvolvidos, como a França, os Estados Unidos, a
Inglaterra. Sem pretender uma discussão mais extensa dessas
diferenças, o que ultrapassaria os objetivos e possibilidades deste
texto, destaco a diferença fundamental, que está no grau de ênfase
posta nas relações entre as práticas sociais de leitura e de escrita e
a aprendizagem do sistema de escrita, ou seja, entre o conceito de
letramento (illettrisme, literacy) e o conceito de alfabetização (alphabétisation, reading instruction, beginning literacy).
Nos
países desenvolvidos, ou do Primeiro Mundo, as práticas sociais de
leitura e de escrita assumem a natureza de problema relevante no
contexto da constatação de que a população, embora alfabetizada, não
dominava as habilidades de leitura e de escrita necessárias para uma
participação efetiva e competente nas práticas sociais e
profissionais que envolvem a língua escrita. Assim, na França e nos
Estados Unidos, para limitar a análise a esses dois países, os
problemas de illettrisme, de literacy/illiteracy surgem de forma independente da questão da aprendizagem básica da escrita.
Na França, como esclarece Lahire, em L'invention de l'illettrisme (1999), e Chartier e Hébrard, em capítulo incluído na segunda edição de Discours sur la lecture (2000), o illettrisme a palavra e o problema que ela nomeia surge para caracterizar jovens e adultos do chamado Quarto Mundo2
que revelam precário domínio das competências de leitura e de
escrita, dificultando sua inserção no mundo social e no mundo do
trabalho. Partindo do fato de que toda a população independentemente
de suas condições socioeconômicas domina o sistema de escrita, porque
passou pela escolarização básica, as discussões sobre o illettrisme se fazem sem relação com a questão do apprendre à lire et à écrire, expressão com que se denomina a alfabetização escolar, e com a questão da alphabétisation,
este termo em geral reservado às ações desenvolvidas junto aos
trabalhadores imigrantes, analfabetos na língua francesa (Lahire,
1999, p.61).
O mesmo ocorre nos Estados Unidos, onde o foco em problemas de literacy/illiteracy
emerge, no início dos anos de 1980, como resultado da constatação,
feita sobretudo em avaliações realizadas no final dos anos de 1970 e
início dos anos de 1980 pela National Assessment of Educational
Progress (NAEP), de que jovens graduados na high school não
dominavam as habilidades de leitura demandadas em práticas sociais e
profissionais que envolvem a escrita (Kirsch & Jungeblut, 1986,
p. 2). Também neste caso as discussões, relatórios, publicações não
apontam relações entre as dificuldades no uso da língua escrita e a
aprendizagem inicial do sistema de escrita a reading instruction, ou a emergent literacy, a beginning literacy;
assim, Kirsch e Jungeblut, como conclusão da pesquisa sobre
habilidades de leitura da população jovem norte-americana, afirmam
que o problema não estava na illiteracy (no não saber ler e escrever), mas na literacy (no não-domínio de competências de uso da leitura e da escrita).
Essa
autonomização, tanto na França quanto nos Estados Unidos, das
questões de letramento em relação às questões de alfabetização não
significa que estas últimas não venham sendo, elas também, objeto de
discussões, avaliações, críticas. Como se verá adiante, neste texto,
tem sido também intensa, nos últimos anos, nesses países, a
discussão sobre problemas da aprendizagem inicial da escrita; o que
se quer aqui destacar é que os dois problemas o domínio precário de
competências de leitura e de escrita necessárias para a participação
em práticas sociais letradas e as dificuldades no processo de
aprendizagem do sistema de escrita, ou da tecnologia da escrita são
tratados de forma independente, o que revela o reconhecimento de suas
especificidades e uma relação de não-causalidade entre eles.
No
Brasil, porém, o movimento se deu, de certa forma, em direção
contrária: o despertar para a importância e necessidade de
habilidades para o uso competente da leitura e da escrita tem sua
origem vinculada à aprendizagem inicial da escrita, desenvolvendo-se
basicamente a partir de um questionamento do conceito de
alfabetização. Assim, ao contrário do que ocorre em países do
Primeiro Mundo, como exemplificado com França e Estados Unidos, em
que a aprendizagem inicial da leitura e da escrita a alfabetização,
para usar a palavra brasileira mantém sua especificidade no contexto
das discussões sobre problemas de domínio de habilidades de uso da
leitura e da escrita problemas de letramento , no Brasil os
conceitos de alfabetização e letramento se mesclam, se superpõem,
freqüentemente se confundem. Esse enraizamento do conceito de letramento
no conceito de alfabetização pode ser detectado tomando-se para
análise fontes como os censos demográficos, a mídia, a produção
acadêmica.
Assim,
as alterações no conceito de alfabetização nos censos demográficos,
ao longo das décadas, permitem identificar uma progressiva extensão
desse conceito. A partir do conceito de alfabetizado, que
vigorou até o Censo de 1940, como aquele que declarasse saber ler e
escrever, o que era interpretado como capacidade de escrever o
próprio nome; passando pelo conceito de alfabetizado como
aquele capaz de ler e escrever um bilhete simples, ou seja, capaz de
não só saber ler e escrever, mas de já exercer uma prática de leitura
e escrita, ainda que bastante trivial, adotado a partir do Censo de
1950; até o momento atual, em que os resultados do Censo têm sido
freqüentemente apresentados, sobretudo nos casos das Pesquisas
Nacionais por Amostragem de Domicílios (PNAD), pelo critério de anos
de escolarização, em função dos quais se caracteriza o nível de alfabetização funcional
da população, ficando implícito nesse critério que, após alguns
anos de aprendizagem escolar, o indivíduo terá não só aprendido a ler
e escrever, mas também a fazer uso da leitura e da escrita,
verifica-se uma progressiva, embora cautelosa, extensão do conceito
de alfabetização em direção ao conceito de letramento: do saber ler e
escrever em direção ao ser capaz de fazer uso da leitura e da
escrita.
O
mesmo se verifica quando se observa o tratamento que a mídia dá,
particularmente ao longo da última década (anos de 1990), às
informações e notícias sobre alfabetização no Brasil.3 Já em 1991, a Folha de S. Paulo,
ao divulgar resultados do Censo então realizado, após declarar que,
pelos dados, apenas 18% eram analfabetos, acrescenta: "mas o número
de desqualificados é muito maior". Desqualificados, segundo a
matéria, eram aqueles que, embora declarando saber ler e escrever um
bilhete simples, tinham menos de quatro anos de escolarização, sendo,
assim, analfabetos funcionais. Durante toda a última década e
até hoje a mídia vem usando, em matérias sobre competências de
leitura e escrita da população brasileira, termos como semi-analfabetos, iletrados, analfabetos funcionais,
ao mesmo tempo que vem sistematicamente criticando as informações
sobre índices de alfabetização e analfabetismo que tomam como base
apenas o critério censitário de saber ou não saber "ler e escrever um
bilhete simples". A mídia vem, pois, assumindo e divulgando um
conceito de alfabetização que o aproxima do conceito de letramento.
Interessante
é observar que também na produção acadêmica brasileira
alfabetização e letramento estão quase sempre associados. Uma das
primeiras obras a registrar o termo letramento, Adultos não alfabetizados:
o avesso do avesso, de Leda Verdiani Tfouni (1988), aproxima
alfabetização e letramento, é verdade que para diferenciar os dois
processos, tema a que retorna em livro posterior, em que a aproximação
entre os dois conceitos aparece já desde o título: Letramento e alfabetização (1995). Essa mesma aproximação entre os dois conceitos aparece na coletânea organizada por Roxane Rojo, Alfabetização e letramento
(1998), em que está também presente a proposta de uma diferenciação
entre os dois fenômenos, embora não inteiramente coincidente com a
proposta por Leda Verdiani Tfouni. Ângela Kleiman, na coletânea que
organiza Os significados do letramento (1995) -, também
discute o conceito de letramento tomando como contraponto o conceito
de alfabetização, e os dois conceitos se alternam ao longo dos textos
da coletânea. No livro Letramento: um tema em três gêneros
(1998), procuro conceituar, confrontando-os, os dois processos
alfabetização e letramento. São apenas exemplos que privilegiam as
obras mais conhecidas sobre o tema, da tendência predominante na
literatura especializada tanto na área das ciências lingüísticas
quanto na área da educação: a aproximação, ainda que para propor
diferenças, entre letramento e alfabetização, o que tem levado à
concepção equivocada de que os dois fenômenos se confundem, e até se
fundem. Embora a relação entre alfabetização e letramento seja
inegável, além de necessária e até mesmo imperiosa, ela, ainda que
focalize diferenças, acaba por diluir a especificidade de cada um dos
dois fenômenos, como será discutido posteriormente neste texto.
Em
síntese, e para encerrar este tópico, conclui-se que a invenção
do letramento, entre nós, se deu por caminhos diferentes daqueles que
explicam a invenção do termo em outros países, como a França e os
Estados Unidos. Enquanto nesses outros países a discussão do
letramento illettrisme, literacy e illiteracy se fez e se faz de forma independente em relação à discussão da alfabetização apprendre à lire et à écrire, reading instruction, emergent literacy, beginning literacy
, no Brasil a discussão do letramento surge sempre enraizada no
conceito de alfabetização, o que tem levado, apesar da diferenciação
sempre proposta na produção acadêmica, a uma inadequada e
inconveniente fusão dos dois processos, com prevalência do conceito
de letramento, por razões que tentarei identificar mais adiante, o que
tem conduzido a um certo apagamento da alfabetização que, talvez
com algum exagero, denomino desinvenção da alfabetização, de que trato em seguida.
A desinvenção da alfabetização
O neologismo desinvenção
pretende nomear a progressiva perda de especificidade do processo de
alfabetização que parece vir ocorrendo na escola brasileira ao longo
das duas últimas décadas.4
Certamente essa perda de especificidade da alfabetização é fator
explicativo evidentemente, não o único, mas talvez um dos mais
relevantes do atual fracasso na aprendizagem e, portanto, também no
ensino da língua escrita nas escolas brasileiras, fracasso hoje tão
reiterado e amplamente denunciado. É verdade que não se denuncia um
fato novo: fracasso em alfabetização nas escolas brasileiras vem
ocorrendo insistentemente há muitas décadas; hoje, porém, esse
fracasso configura-se de forma inusitada. Anteriormente ele se
revelava em avaliações internas à escola, sempre concentrado na etapa
inicial do ensino fundamental, traduzindo-se em altos índices de
reprovação, repetência, evasão; hoje, o fracasso revela-se em
avaliações externas à escola avaliações estaduais (como o SARESP, o
SIMAVE), nacionais (como o SAEB, o ENEM) e até internacionais (como o
PISA)-,5
espraia-se ao longo de todo o ensino fundamental, chegando mesmo ao
ensino médio, e se traduz em altos índices de precário ou nulo
desempenho em provas de leitura, denunciando grandes contingentes de
alunos não alfabetizados ou semi-alfabetizados depois de quatro,
seis, oito anos de escolarização. A hipótese aqui levantada é que a
perda de especificidade do processo de alfabetização, nas duas
últimas décadas, é um, entre os muitos e variados fatores, que pode
explicar esta atual "modalidade" de fracasso escolar em
alfabetização.
Talvez
se possa afirmar que na "modalidade" anterior de fracasso escolar
aquela que se manifestava em altos índices de reprovação e repetência
na etapa inicial do ensino fundamental6
a alfabetização caracterizava-se, ao contrário, por sua excessiva
especificidade, entendendo-se por "excessiva especificidade" a
autonomização das relações entre o sistema fonológico e o sistema
gráfico em relação às demais aprendizagens e comportamentos na
área da leitura e da escrita, ou seja, a exclusividade atribuída a
apenas uma das facetas da aprendizagem da língua escrita. O que parece
ter acontecido, ao longo das duas últimas décadas, é que, em lugar
de se fugir a essa "excessiva especificidade", apagou-se a necessária
especificidade do processo de alfabetização.
Várias
causas podem ser apontadas para essa perda de especificidade do
processo de alfabetização; limitando-me às causas de natureza
pedagógica, cito, entre outras, a reorganização do tempo escolar com a
implantação do sistema de ciclos, que, ao lado dos aspectos
positivos que sem dúvida tem, pode trazer e tem trazido uma diluição
ou uma preterição de metas e objetivos a serem atingidos
gradativamente ao longo do processo de escolarização; o princípio da
progressão continuada, que, mal concebido e mal aplicado, pode
resultar em descompromisso com o desenvolvimento gradual e
sistemático de habilidades, competências, conhecimentos. Não me
detenho, porém, no aprofundamento das relações entre esses aspectos
sistema de ciclos, princípio da progressão continuada e a perda de
especificidade da alfabetização, porque me parece que a causa maior
dessa perda de especificidade deve ser buscada em fenômeno mais
complexo: a mudança conceitual a respeito da aprendizagem da língua
escrita que se difundiu no Brasil a partir de meados dos anos de
1980.
Segundo
Gaffney e Anderson (2000, p. 57), as últimas três décadas assistiram
a mudanças de paradigmas teóricos no campo da alfabetização que
podem ser assim resumidas: um paradigma behaviorista, dominante nos anos
de 1960 e 1970, é substituído, nos anos de 1980, por um paradigma
cognitivista, que avança, nos anos de 1990, para um paradigma
sociocultural. Segundo os mesmos autores, se a transição da teoria
behaviorista para a teoria cognitivista representou realmente uma
radical mudança de paradigma, a transição da teoria cognitivista para
a perspectiva sociocultural pode ser interpretada antes como um
aprimoramento do paradigma cognitivista que propriamente como uma
mudança paradigmática.
Embora
Gaffney e Anderson situem essas mudanças paradigmáticas no contexto
norte-americano, pode-se reconhecer as mesmas mudanças no Brasil,
aproximadamente no mesmo período;7
em relação ao período que aqui interessa, pode-se afirmar que, tal
como ocorreu nos Estados Unidos, também no Brasil os anos de 1980 e
1990 assistiram ao domínio hegemônico, na área da alfabetização,
do paradigma cognitivista, que aqui se difundiu sob a discutível
denominação de construtivismo (posteriormente, socioconstrutivismo).
Ao contrário, porém, dos Estados Unidos, em que esse paradigma foi
proposto para todo e qualquer conhecimento escolar, tomando como eixo
uma nova concepção das relações entre aprendizagem e linguagem,
traduzida no movimento que recebeu a denominação de whole language,8
entre nós ele chegou pela via da alfabetização, através das
pesquisas e estudos sobre a psicogênese da língua escrita, divulgada
pela obra e pela atuação formativa de Emilia Ferreiro.9
Não
é necessário retomar aqui a mudança que representou, para a área
da alfabetização, a perspectiva psicogenética: alterou profundamente a
concepção do processo de construção da representação da língua
escrita, pela criança, que deixa de ser considerada como dependente
de estímulos externos para aprender o sistema de escrita concepção
presente nos métodos de alfabetização até então em uso, hoje
designados "tradicionais" 10
e passa a sujeito ativo capaz de progressivamente (re)construir esse
sistema de representação, interagindo com a língua escrita em seus
usos e práticas sociais, isto é, interagindo com material "para ler",
não com material artificialmente produzido para "aprender a ler"; os
chamados pré-requisitos para a aprendizagem da escrita, que
caracterizariam a criança "pronta" ou "madura" para ser alfabetizada
pressuposto dos métodos "tradicionais" de alfabetização são negados
por uma visão interacionista, que rejeita uma ordem hierárquica de
habilidades, afirmando que a aprendizagem se dá por uma progressiva
construção do conhecimento, na relação da criança com o objeto
"língua escrita"; as dificuldades da criança, no processo de
construção do sistema de representação que é a língua escrita
consideradas "deficiências" ou "disfunções", na perspectiva dos
métodos "tradicionais" passam a ser vistas como "erros construtivos",
resultado de constantes reestruturações.
Sem
negar a incontestável contribuição que essa mudança paradigmática,
na área da alfabetização, trouxe para a compreensão da trajetória
da criança em direção à descoberta do sistema alfabético, é preciso,
entretanto, reconhecer que ela conduziu a alguns equívocos e a falsas
inferências, que podem explicar a desinvenção da
alfabetização, de que se fala neste tópico podem explicar a perda de
especificidade do processo de alfabetização, proposta anteriormente.
Em
primeiro lugar, dirigindo-se o foco para o processo de construção do
sistema de escrita pela criança, passou-se a subestimar a natureza
do objeto de conhecimento em construção, que é, fundamentalmente, um
objeto lingüístico constituído, quer se considere o sistema
alfabético quer o sistema ortográfico, de relações convencionais e
freqüentemente arbitrárias entre fonemas e grafemas. Em outras
palavras, privilegiando a faceta psicológica da alfabetização,
obscureceu-se sua faceta lingüística fonética e fonológica.
Em
segundo lugar, derivou-se da concepção construtivista da
alfabetização uma falsa inferência, a de que seria incompatível com o
paradigma conceitual psicogenético a proposta de métodos de
alfabetização. De certa forma, o fato de que o problema da
aprendizagem da leitura e da escrita tenha sido considerado, no
quadro dos paradigmas conceituais "tradicionais", como um problema
sobretudo metodológico contaminou o conceito de método de
alfabetização, atribuindo-lhe uma conotação negativa: é que, quando
se fala em "método" de alfabetização, identifica-se, imediatamente,
"método" com os tipos "tradicionais" de métodos sintéticos e
analíticos (fônico, silábico, global etc.), como se esses tipos
esgotassem todas as alternativas metodológicas para a aprendizagem da
leitura e da escrita. Talvez se possa dizer que, para a prática da
alfabetização, tinha-se, anteriormente, um método, e nenhuma teoria;
com a mudança de concepção sobre o processo de aprendizagem da língua
escrita, passou-se a ter uma teoria, e nenhum método.
Acrescente-se
a esses equívocos e falsas inferências o também falso pressuposto,
decorrente deles e delas, de que apenas através do convívio intenso
com o material escrito que circula nas práticas sociais, ou seja, do
convívio com a cultura escrita, a criança se alfabetiza. A alfabetização,
como processo de aquisição do sistema convencional de uma escrita
alfabética e ortográfica, foi, assim, de certa forma obscurecida
pelo letramento, porque este acabou por freqüentemente prevalecer sobre aquela, que, como conseqüência, perde sua especificidade.
É
preciso, a esta altura, deixar claro que defender a especificidade
do processo de alfabetização não significa dissociá-lo do processo de
letramento, como se defenderá adiante. Entretanto, o que
lamentavelmente parece estar ocorrendo atualmente é que a percepção
que se começa a ter, de que, se as crianças estão sendo, de certa
forma, letradas na escola, não estão sendo alfabetizadas,
parece estar conduzindo à solução de um retorno à alfabetização
como processo autônomo, independente do letramento e anterior a ele. É
o que estou considerando ser uma reinvenção da alfabetização que, numa afirmação apenas aparentemente contraditória, é, ao mesmo tempo, perigosa se representar um retrocesso a paradigmas anteriores, com perda dos avanços e conquistas feitos nas últimas décadas e necessária
se representar a recuperação de uma faceta fundamental do processo
de ensino e de aprendizagem da língua escrita. É do que se tratará no
próximo tópico.
A reinvenção da alfabetização
Temos
usado com freqüência na área da educação a metáfora da "curvatura
da vara", a que os americanos preferem a metáfora do "pêndulo",
ambas representando a tendência ao raciocínio alternativo: ou isto ou
aquilo; se isto, então não aquilo.
A
autonomização do processo de alfabetização, em relação ao processo
de letramento, para a qual se está tendendo atualmente, pode ser
interpretada como a curvatura da vara ou o movimento do pêndulo para o
"outro" lado. O "lado" contra o qual essa tendência se levanta,
aquele que, de certa forma, dominou o ensino da língua escrita não só
no Brasil, mas também em vários outros países, nas últimas
décadas, baseia-se numa concepção holística da aprendizagem da língua
escrita, de que decorre o princípio de que aprender a ler e a
escrever é aprender a construir sentido para e por meio de
textos escritos, usando experiências e conhecimentos prévios; no
quadro dessa concepção, o sistema grafofônico (as relações
fonema-grafema) não é objeto de ensino direto e explícito, pois sua
aprendizagem decorreria de forma natural da interação com a língua
escrita. É essa concepção e esse princípio que fundamentam a whole language, nos Estados Unidos, e o chamado construtivismo, no Brasil.
Entretanto,
resultados de avaliações de níveis de alfabetização da população
em processo de escolarização, que se multiplicaram nas duas últimas
décadas, no Brasil e em muitos outros países, têm levado a críticas a
essa concepção holística da aprendizagem da língua escrita,
incidindo essa crítica particularmente na ausência, no quadro dessa
concepção, de instrução direta e específica para a aprendizagem do
código alfabético e ortográfico. Em países que, tradicionalmente,
têm inspirado a educação brasileira França e Estados Unidos , essa
crítica e recomendações dela decorrentes foram recentemente expressas
em documentos oficiais e programas de ensino, de que convém dar
rápida notícia, uma vez que o movimento que começa a esboçar-se entre
nós nessa mesma direção tem buscado neles (embora não só neles)
fundamento e justificação.
Na
França, a constatação de dificuldades de leitura e de escrita na
população em fase de escolarização levou o Observatório Nacional
da Leitura, órgão consultivo do Ministério da Educação Nacional, da
Pesquisa e da Tecnologia, a divulgar, no final dos anos de 1990, o
documento Apprendre à lire au cycle des apprentissages fondamentaux
(Observatoire National de la Lecture, 1998), em que, com apoio em
dados de pesquisas sobre a aprendizagem da leitura, afirma-se que o
conhecimento do código grafofônico e o domínio dos processos de
codificação e decodificação constituem etapa fundamental e
indispensável para o acesso à língua escrita, "condition nécessaire, bien que non suffisante, de la comprehénsion des textes" (grifo do original), etapa que não pode ser vencida
[...]
sans une instruction explicite, visant d'une part la prise de
conscience du fait que la parole peut être décrite comme une séquence
linéaire de phonèmes, d'autre part, que les caractères (ou groupes
de caractères) alphabétiques représentent les phonèmes. (p. 93)
Nos
Estados Unidos, desde o início dos anos de 1990 tem sido intensa a
discussão sobre a aprendizagem da língua escrita na escola, discussão
que se concentra, sobretudo, em polêmicas que contrapõem a concepção
holística whole language à concepção grafofônica phonics.11 Em meados dos anos de 1990, a whole language,
que vinha tendo grande difusão no país desde meados dos anos de
1980, passou a ser contestada, sobretudo por negar o ensino do
sistema alfabético e ortográfico e das relações fonema-grafema de
forma direta e explícita. Já em de 1990, a publicação da obra de
Marilyn Jager Adams, Beginning to read: thinking and learning about print, levara à substituição da oposição phonics versus whole-word, em torno da qual se desenvolvia, até então, o debate, pela oposição phonics versus whole language.
Identifica-se um paralelo com o que ocorreu no Brasil aproximadamente
na mesma época, quando o debate que até então se fazia em torno da
oposição entre métodos sintéticos (fônico, silabação) e métodos
analíticos (palavração, sentenciação, global) foi suplantado pela
introdução da concepção "construtivista" na alfabetização,
bastante semelhante à whole language.
Os
defensores do ensino direto e explícito das relações fonema-grafema,
no processo de alfabetização, nos Estados Unidos, encontraram
reforço no relatório produzido, em 2000, pelo National Institute of
Child Health and Human Development (NICHD), em resposta à solicitação
do Congresso Nacional, alarmado com os baixos níveis de competência
em leitura que avaliações estaduais e nacionais de crianças em
processo de escolarização vinham denunciando: o National Reading Panel:
teaching children to read é um estudo de avaliação e integração das
pesquisas existentes no país sobre a alfabetização de crianças, com o
objetivo de identificar procedimentos eficientes para que esse
processo se realizasse com sucesso. O subtítulo do relatório
esclarece bem sua natureza: An evidence-based assessment of the scientific research literature on reading and its implications for reading instruction.12
O relatório conclui que, entre as facetas consideradas componentes
essenciais do processo de alfabetização consciência fonêmica, phonics13 (relações fonema-grafema), fluência em leitura (oral e silenciosa), vocabulário e compreensão, as evidências a que as pesquisas conduziam mostravam que têm implicações
altamente positivas para a aprendizagem da língua escrita o
desenvolvimento da consciência fonêmica e o ensino explícito, direto e
sistemático das correspondências fonema-grafema.
Retomando o título deste subtópico, pode-se perguntar: nesse contexto francês e norte-americano o que constitui a reinvenção da alfabetização? Uma análise tanto do documento francês Apprendre à lire quanto do relatório americano o National Reading Panel
evidenciam que a concepção de aprendizagem da língua escrita, em
ambos, é mais ampla e multifacetada que apenas a aprendizagem do
código, das relações grafofônicas; o que ambos postulam é a
necessidade de que essa faceta recupere a importância fundamental que
tem na aprendizagem da língua escrita; sobretudo, que ela seja objeto
de ensino direto, explícito, sistemático. Entretanto, a questão tem
se colocado, particularmente nos Estados Unidos, e começa a se colocar
assim também entre nós, em termos de antagonismo de concepções,
uma oposição de grupos a favor e grupos contra o movimento que tem
sido denominado a "volta ao fônico" (back to phonics) como se,
para endireitar a vara, fosse mesmo necessário curvá-la para o lado
oposto, ou como se o pêndulo devesse estar ou de um lado, ou de
outro. É essa tendência a radicalismos que torna perigosa a necessária
reinvenção da alfabetização.14
O
que é preciso reconhecer é que o antagonismo, que gera radicalismos,
é mais político que propriamente conceitual, pois é óbvio que
tanto a whole language, nos Estados Unidos, quanto o chamado construtivismo,
no Brasil, consideram a aprendizagem das relações grafofônicas
como parte integrante da aprendizagem da língua escrita ocorreria a
alguém a possibilidade de se ter acesso à cultura escrita sem a
aprendizagem das relações entre o sistema fonológico e o sistema
alfabético? A diferença entre propostas como a do Apprendre à lire ou do National Reading Panel, e propostas como a whole language
e o construtivismo está em que, enquanto nas primeiras considera-se
que as relações entre o sistema fonológico e os sistemas alfabético
e ortográfico devem ser objeto de instrução direta, explícita e
sistemática, com certa autonomia em relação ao desenvolvimento de
práticas de leitura e escrita, nas segundas considera-se que essas
relações não constituem propriamente objeto de ensino, pois sua
aprendizagem deve ser incidental, implícita, assistemática, no
pressuposto de que a criança é capaz de descobrir por si mesma as
relações fonema-grafema, em sua interação com material escrito e por
meio de experiências com práticas de leitura e de escrita. Pode-se
talvez dizer que, no primeiro caso, privilegia-se a alfabetização, no segundo caso, o letramento.
O problema é que, num e noutro caso, dissocia-se equivocadamente
alfabetização de letramento, e, no segundo caso, atua-se como se
realmente pudesse ocorrer de forma incidental e natural a
aprendizagem de objetos de conhecimento que são convencionais e, em
parte significativa, arbitrários o sistema alfabético e o sistema
ortográfico.
Dissociar
alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das
atuais concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas
de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto
analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois
processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita a alfabetização
- e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em
atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a
língua escrita o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de
práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de
atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver
no contexto da e por meio da aprendizagem das relações
fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização. A concepção
"tradicional" de alfabetização, traduzida nos métodos analíticos
ou sintéticos, tornava os dois processos independentes, a alfabetização
a aquisição do sistema convencional de escrita, o aprender a ler
como decodificação e a escrever como codificação precedendo o
letramento o desenvolvimento de habilidades textuais de leitura e de
escrita, o convívio com tipos e gêneros variados de textos e de
portadores de textos, a compreensão das funções da escrita. Na
concepção atual, a alfabetização não precede o letramento, os dois
processos são simultâneos, o que talvez até permitisse optar por um
ou outro termo, como sugere Emilia Ferreiro em recente entrevista à
revista Nova Escola,15
em que rejeita a coexistência dos dois termos com o argumento de que
em alfabetização estaria compreendido o conceito de letramento, ou
vice-versa, em letramento estaria compreendido o conceito de
alfabetização o que seria verdade, desde que se convencionasse que
por alfabetização seria possível entender muito mais que a
aprendizagem grafofônica, conceito tradicionalmente atribuído a esse
processo, ou que em letramento seria possível incluir a aprendizagem
do sistema de escrita. A conveniência, porém, de conservar os dois
termos parece-me estar em que, embora designem processos
interdependentes, indissociáveis e simultâneos, são processos de
natureza fundamentalmente diferente, envolvendo conhecimentos,
habilidades e competências específicos, que implicam formas de
aprendizagem diferenciadas e, conseqüentemente, procedimentos
diferenciados de ensino. Sobretudo no momento atual, em que os
equívocos e falsas inferências anteriormente mencionados levaram
alfabetização e letramento a se confundirem, com prevalência deste
último e perda de especificidade da primeira, o que se constitui como
uma das causas do fracasso em alfabetização que hoje ainda se
verifica nas escolas brasileiras, a distinção entre os dois processos
e conseqüente recuperação da especificidade da alfabetização
tornam-se metodologicamente e até politicamente convenientes, desde
que essa distinção e a especificidade da alfabetização não sejam
entendidas como independência de um processo em relação ao outro, ou
como precedência de um em relação ao outro. Assegurados esses
pressupostos, a reinvenção da alfabetização revela-se necessária, sem se tornar perigosa.
É
que, diante dos precários resultados que vêm sendo obtidos, entre
nós, na aprendizagem inicial da língua escrita, com sérios reflexos
ao longo de todo o ensino fundamental, parece ser necessário rever os
quadros referenciais e os processos de ensino que têm predominado em
nossas salas de aula, e talvez reconhecer a possibilidade e mesmo a
necessidade de estabelecer a distinção entre o que mais propriamente
se denomina letramento, de que são muitas as facetas imersão
das crianças na cultura escrita, participação em experiências
variadas com a leitura e a escrita, conhecimento e interação com
diferentes tipos e gêneros de material escrito e o que é propriamente
a alfabetização, de que também são muitas as facetas
consciência fonológica e fonêmica, identificação das relações
fonema-grafema, habilidades de codificação e decodificação da língua
escrita, conhecimento e reconhecimento dos processos de tradução
da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita. Por outro lado,
o que não é contraditório, é preciso reconhecer a possibilidade e
necessidade de promover a conciliação entre essas duas dimensões da
aprendizagem da língua escrita,16
integrando alfabetização e letramento, sem perder, porém, a
especificidade de cada um desses processos, o que implica reconhecer as
muitas facetas de um e outro e, conseqüentemente, a diversidade de
métodos e procedimentos para ensino de um e de outro, uma vez que, no
quadro desta concepção, não há um método para a aprendizagem
inicial da língua escrita, há múltiplos métodos, pois a natureza
de cada faceta determina certos procedimentos de ensino, além de as
características de cada grupo de crianças, e até de cada criança,
exigir formas diferenciadas de ação pedagógica.17
Desnecessário se torna destacar, por óbvias, as conseqüências,
nesse novo quadro referencial, para a formação de profissionais
responsáveis pela aprendizagem inicial da língua escrita por crianças
em processo de escolarização.18
Em
síntese, o que se propõe é, em primeiro lugar, a necessidade de
reconhecimento da especificidade da alfabetização, entendida como
processo de aquisição e apropriação do sistema da escrita, alfabético
e ortográfico; em segundo lugar, e como decorrência, a importância
de que a alfabetização se desenvolva num contexto de letramento -
entendido este, no que se refere à etapa inicial da aprendizagem da
escrita, como a participação em eventos variados de leitura e de
escrita, e o conseqüente desenvolvimento de habilidades de uso da
leitura e da escrita nas práticas sociais que envolvem a língua
escrita, e de atitudes positivas em relação a essas práticas; em
terceiro lugar, o reconhecimento de que tanto a alfabetização quanto o
letramento têm diferentes dimensões, ou facetas, a natureza de cada
uma delas demanda uma metodologia diferente, de modo que a aprendizagem
inicial da língua escrita exige múltiplas metodologias, algumas
caracterizadas por ensino direto, explícito e
sistemático-particularmente a alfabetização, em suas diferentes
facetas-outras caracterizadas por ensino incidental, indireto e
subordinado a possibilidades e motivações das crianças; em quarto
lugar, a necessidade de rever e reformular a formação dos professores
das séries iniciais do ensino fundamental, de modo a torná-los
capazes de enfrentar o grave e reiterado fracasso escolar na
aprendizagem inicial da língua escrita nas escolas brasileiras.
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