quarta-feira, 9 de maio de 2012

Banco de textos


Marcelo, marmelo, martelo
 Ruth Rocha
Marcelo vivia fazendo perguntas a todo mundo: — Papai, por que é que a chuva cai? — Mamãe, por que é que o mar não derrama? — Vovó, por que é que o cachorro tem quatro pernas? As pessoas grandes às vezes respondiam. Às vezes, não sabiam como responder. — Ah, Marcelo, sei lá...
Uma vez, Marcelo cismou com o nome das coisas: — Mamãe, por que é que eu me chamo Marcelo? — Ora, Marcelo foi o nome que eu e seu pai escolhemos. — E por que é que não escolheram martelo? — Ah, meu filho, martelo não é nome de gente! É nome de ferramenta... — Por que é que não escolheram marmelo? — Porque marmelo é nome de fruta, menino! — E a fruta não podia chamar Marcelo, e eu chamar marmelo?
No dia seguinte, lá vinha ele outra vez: — Papai, por que é que mesa chama mesa? — Ah, Marcelo, vem do latim. — Puxa, papai, do latim? E latim é língua de cachorro? — Não, Marcelo, latim é uma língua muito antiga. — E por que é que esse tal de latim não botou na mesa nome de cadeira, na cadeira nome de parede, e na parede nome de bacalhau? — Ai, meu Deus, este menino me deixa louco!
Daí a alguns dias, Marcelo estava jogando futebol com o pai: — Sabe, papai, eu acho que o tal de latim botou nome errado nas coisas. Por exemplo: por que é que bola chama bola?
— Não sei, Marcelo, acho que bola lembra uma coisa redonda, não lembra? — Lembra, sim, mas... e bolo? — Bolo também é redondo, não é? — Ah, essa não! Mamãe vive fazendo bolo quadrado... O pai de Marcelo ficou atrapalhado.
E Marcelo continuou pensando: "Pois é, está tudo errado! Bola é bola, porque é redonda. Mas bolo nem sempre é redondo. E por que será que a bola não é a mulher do bolo? E bule? E belo? E bala? Eu acho que as coisas deviam ter nome mais apropriado. Cadeira, por exemplo. Devia chamar sentador, não cadeira, que não quer dizer nada. E travesseiro? Devia chamar cabeceiro, lógico! Também, agora, eu só vou falar assim".
Logo de manhã, Marcelo começou a falar sua nova língua: — Mamãe, quer me passar o mexedor? — Mexedor? Que é isso? — Mexedorzinho, de mexer café. — Ah... colherinha, você quer dizer. — Papai, me dá o suco de vaca? — Que é isso, menino! — Suco de vaca, ora! Que está no suco-da-vaqueira. — Isso é leite, Marcelo. Quem é que entende este menino?
O pai de Marcelo resolveu conversar com ele: — Marcelo, todas as coisas têm um nome. E todo mundo tem que chamar pelo mesmo nome porque, senão, ninguém se entende... — Não acho, papai. Por que é que eu não posso inventar o nome das coisas? — Deixe de dizer bobagens, menino! Que coisa mais feia! — Está vendo como você entendeu, papai? Como é que você sabe que eu disse um nome feio? O pai de Marcelo suspirou: — Vá brincar, filho, tenho muito que fazer...
Mas Marcelo continuava não entendendo a história dos nomes. E resolveu continuar a falar, à sua moda. Chegava em casa e dizia: — Bom solário pra todos... O pai e a mãe de Marcelo se olhavam e não diziam nada. E Marcelo continuava inventando: — Sabem o que eu vi na rua? Um puxadeiro puxando uma carregadeira. Depois, o puxadeiro fugiu e o possuidor ficou danado.
A mãe de Marcelo já estava ficando preocupada. Conversou com o pai: — Sabe, João, eu estou muito preocupada com o Marcelo, com essa mania de inventar nomes para as coisas... Você já pensou, quando começarem as aulas? Esse menino vai dar trabalho... — Que nada, Laura! Isso é uma fase que passa. Coisa de criança...
Mas estava custando a passar... Quando vinham visitas, era um caso sério. Marcelo só cumprimentava dizendo: — Bom solário, bom lunário... — que era como ele chamava o dia e a noite. E os pais de Marcelo morriam de vergonha das visitas.
Até que um dia... O cachorro do Marcelo, o Godofredo, tinha uma linda casinha de madeira que Seu João tinha feito para ele. E Marcelo só chamava a casinha de moradeira, e o cachorro de Latildo. E aconteceu que a casa do Godofredo pegou fogo. Alguém jogou uma ponta de cigarro pela grade, e foi aquele desastre!
Marcelo entrou em casa correndo: — Papai, papai, embrasou a moradeira do Latildo! — O quê, menino? Não estou entendendo nada! — A moradeira, papai, embrasou... — Eu não sei o que é isso, Marcelo. Fala direito! — Embrasou tudo, papai, está uma branqueira danada! Seu João percebia a aflição do filho, mas não entendia nada...
Quando Seu João chegou a entender do que Marcelo estava falando, já era tarde. A casinha estava toda queimada. Era um montão de brasas. O Godofredo gania baixinho... E Marcelo, desapontadíssimo, disse para o pai: — Gente grande não entende nada de nada, mesmo!
Então a mãe do Marcelo olhou pro pai do Marcelo. E o pai do Marcelo olhou pra mãe do Marcelo. E o pai do Marcelo falou: — Não fique triste, meu filho. A gente faz uma moradeira nova pro Latildo. E a mãe do Marcelo disse: — É sim! Toda branquinha, com a entradeira na frente e um cobridor bem vermelhinho...
E agora, naquela família, todo mundo se entende muito bem. O pai e a mãe do Marcelo não aprenderam a falar como ele, mas fazem força pra entender o que ele fala. E nem estão se incomodando com o que as visitas pensam...
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As Meninas - Cecília Meireles
As Meninas  

Arabela 
Abria a janela.  
Carolina 
erguia a cortina. 
E Maria 
olhava e sorria: 
"Bom dia!" 
Arabela 
foi sempre a mais bela. 
Carolina, 
a mais sábia menina. 
E Maria 
apenas sorria: 
"Bom dia! 
Pensaremos em cada menina 
que vivia naquela janela; 
uma que se chamava Arabela, 
outra que se chamou Carolina. 
Mas a nossa profunda saudade 
é Maria, Maria, Maria, 
que dizia com voz de amizade: 
"Bom dia!"

Cecília Meireles
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MENINA BONITA DO LAÇO DE FITA
Era uma vez uma menina linda, linda.
Os olhos pareciam duas azeitonas pretas brilhantes, os cabelos enroladinhos e bem negros.
A pele era escura e lustrosa, que nem o pelo da pantera negra na chuva.
Ainda por cima, a mãe gostava de fazer trancinhas no cabelo dela e enfeitar com laços de fita coloridas.
Ela ficava parecendo uma princesa das terras da áfrica, ou uma fada do Reino do Luar.
E, havia um coelho bem branquinho, com olhos vermelhos e focinho nervoso sempre tremelicando. O coelho achava a menina a pessoa mais linda que ele tinha visto na vida.
E pensava:
- Ah, quando eu casar quero ter uma filha pretinha e linda que nem ela...
Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou:
- Menina bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:­
- Ah deve ser porque eu caí na tinta preta quando era pequenina...
O coelho saiu dali, procurou uma lata de tinta preta e tomou banho nela.
Ficou bem negro, todo contente. Mas aí veio uma chuva e lavou todo aquele pretume, ele ficou branco outra vez.
Então ele voltou lá na casa da menina e perguntou outra vez:
- Menina bonita do laço de fita, qual é o seu segredo para ser tão pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:
- Ah, deve ser porque eu tomei muito café quando era pequenina.
O coelho saiu dali e tomou tanto café que perdeu o sono e passou a noite toda fazendo xixi.
Mas não ficou nada preto.
- Menina bonita do laço de fita, qual o teu segredo para ser tão pretinha?
A menina não sabia, mas inventou:­
- Ah, deve ser porque eu comi muita jabuticaba quando era pequenina.
O coelho saiu dali e se empanturrou de jabuticaba até ficar pesadão, sem conseguir sair do lugar. O máximo que conseguiu foi fazer muito cocozinho preto e redondo feito jabuticaba. Mas não ficou nada preto.
Então ele voltou lá na casa da menina e perguntou outra vez:
- Menina bonita do laço de fita, qual é teu segredo pra ser tão pretinha?
A menina não sabia e... Já ia inventando outra coisa, uma história de feijoada, quando a mãe dela que era uma mulata linda e risonha, resolveu se meter e disse:
- Artes de uma avó preta que ela tinha...
Aí o coelho, que era bobinho, mas nem tanto, viu que a mãe da menina devia estar mesmo dizendo a verdade, porque a gente se parece sempre é com os pais, os tios, os avós e até
com os parentes tortos.E se ele queria ter uma filha pretinha e linda que nem a menina,
tinha era que procurar uma coelha preta para casar.
Não precisou procurar muito. Logo encontrou uma coelhinha escura como a noite, que achava aquele coelho branco uma graça.
Foram namorando, casando e tiveram uma ninhada de filhotes, que coelho quando desanda
a ter filhote não para mais! Tinha coelhos de todas as cores: branco, branco malhado de preto, preto malhado de branco e até uma coelha bem pretinha.
Já se sabe, afilhada da tal menina bonita que morava na casa ao lado.
E quando a coelhinha saía de laço colorido no pescoço sempre encontrava alguém que perguntava:
- Coelha bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?
E ela respondia:
- Conselhos da mãe da minha madrinha...

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O Menino e a Árvore - Texto de S. Silvestrin

Era uma vez uma árvore
Que amava um menino.
E todos os dias
O menino
Vinha,
Juntava
Suas
Folhas
E com elas fazia
Coroas de rei;
Com elas brincava
De rei da floresta.
Subia em seu grosso tronco,
Balançava-se em seus galhos,
Comia suas maçãs.
E brincavam
De esconder.
Quando ficava cansado,
O menino repousava
À sua sombra fresquinha.
O menino amava a árvore
Profundamente.
E a árvore era feliz.

                                           Tradução de Fernando Sabino

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A FORMIGA E O GRÃO DE TRIGO


Durante a colheita, um grão de trigo caiu no chão. Ali ele esperou que a chuva o enterrasse.
Então surgiu uma formiga que começou a arrastá-la para o formigueiro.
___ Por favor, me deixe em paz! - Protestou o grão de trigo.
___ Mas precisamos de você no formigueiro - disse a formiga - se não tivermos você para nos alimentar, vamos morrer de fome no inverno.
___ Mas eu sou uma semente viva - reclamou o trigo - não fui feito para ser comido. Eu devo ser enterrado no solo para que uma nova planta possa crescer a partir de mim.
___ Talvez - disse a formiga -, mas isso é muito complicado para mim. E continuou a arrastar o trigo.
___ Ei, espere! - disse o trigo. Tive uma idéia. Vamos fazer um acordo!
___ Um acordo? - perguntou a formiga.
___ Isso mesmo. Você me deixa no campo e, no ano que vem, eu lhe dou cem grãos.
___ Você está brincando - disse a formiga descrente.
___ Não, eu lhe prometo cem grãos iguais a mim no próximo ano.
___ Cem grãos de trigo para desistir de apenas um? - disse a formiga desconfiada. - Como você vai fazer isso?
___ Não me pergunte - respondeu o trigo -, é um mistério que não sei explicar. Confie em mim.
___ Eu confio em você - disse a formiga, que deixou o grão de trigo em seu lugar.
E, no ano seguinte, quando a formiga voltou, o trigo tinha mantido sua promessa.
Leonardo da Vinci "Fábulas e Lendas"
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O Conto da Baratinha

Era uma vez uma baratinha.
Ao varrer Varrendo a casa,achou um vintém.
Comprou uma fita, amarrou no cabelo e foi à janela cantar assim:
– Quem quer casar com a Dona Baratinha, que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha? Ela é muito carinhosa e quem com ela se casar terá doces todo dia, no almoço e no jantar! Passem, passem, cavalheiros, passem todos sem tardar. O mais belo, com certeza, minha mão irá ganhar!

Naquele momento, com passo lento e bem pachorrento, passou o boi.
– Boizinho que vai passando, quer comigo se casar? – Oh! Tão linda senhorita quem rejeita desposar? – Sou, porém, muito sensível e medo tudo me traz. Diga primeiro, boizinho, como é que você faz?
–MUUUUUUU .
– Deus me livre de tal noivo, mugindo dessa maneira!
Terei sustos todo o dia, terei medo a noite inteira!
E assim lá se foi desiludido o pobre boi .
Logo atrás, filosofando, vinha um burrinho passando.

– Burrinho que vai passando, quer comigo se casar?
– Oh! Tão linda senhorita quem rejeita desposar?
– Sou, porém, muito sensível e medo tudo me traz.
Diga primeiro, burrinho, como é que você faz?
– IÓIÓI

– Deus me livre de tal noivo, zurrando dessa maneira!
Terei sustos todo o dia, terei medo a noite inteira!
Triste, de orelha tombada, lá se foi nosso burrinho se afastando pela estrada.

Mas, logo depois, saltando, veio um cabrito passando:

– Cabrito que vai passando, quer comigo se casar?
– Oh! Tão linda senhorita quem rejeita desposar?
– Sou, porém, muito sensível e medo tudo me traz.
Diga primeiro, querido, como é que você faz?
– MÉÉÉÉ
– Deus me livre de tal noivo, berrando dessa maneira! Terei sustos todo o dia, terei medo a noite inteira! Tristonho pelo caminho, lá se foi o cabritinho...

Já quase desanimando, Dona Baratinha viu passar, todo pimpão, o Doutor João Ratão:

– Ratinho que vai passando, quer comigo se casar?
– Oh! Tão linda senhorita quem rejeita desposar?
– Sou, porém, muito sensível e medo tudo me traz.
Diga primeiro, ratinho, como é que você faz? – Chic... chic... chic... – Isso sim que é voz bonita! Não pode assustar ninguém. Até que enfim, achei o noivo que me convém!

E, pouco tempo depois, com grande satisfação,
recebia a bicharada esta participação:
“ Na matriz do Rancho Velho, dia sete, casarão
a Senhora Baratinha e o Doutor João Ratão.
A sua amável presença será muito apreciada.
Pode trazer os amigos e também a criançada.
E depois do casório, vai haver festa animada, sendo servida aos convivas uma lauta feijoada!”

Ah, maldita feijoada! Oh, terrível tentação que transformou toda a vida do Doutor João Ratão!
Eu vou contar para todos o que foi que sucedeu.
Na manhã do casório, Mestre Macaco, que é o rei da cozinha, lançou mãos à obra.
Comprou no mercado feijão, carne, linguiça, salpicão e toucinho de sobra.

Com os seus ajudantes, uns dez macaquinhos, lavou a panela, acendeu o fogão e, para o trabalho correr mais depressa, cantaram em coro esta canção:
– Abana o fogo, macacada, abana o fogo!
Abana bem, coloca a panela no fogão.
Está na hora de aprontar a feijoada para o banquete do Doutor João Ratão!
Feijão, carne, linguiça, salpicão, orelha de porco para dar e vender!
Toucinho fresquinho, toucinho gostoso, toucinho cheiroso para gente comer!

O noivo, naquele instante, no seu belo apartamento, dormia e sonhava ainda com a hora do casamento.
Mas aquela melodia, crescendo qual furacão, entrou pelo apartamento do Doutor João Ratão.
Entrou pelo apartamento, entrou pelos seus ouvidos e tomou conta, malvada, de todos os seus sentidos!
Foi assim que começou o seu terrível tormento, pois aquela cantoria, ali, naquele momento, dividiu em duas partes o seu aflito pensamento. Uma ficou com o toucinho, a outra com o casamento.

Mas a ideia do toucinho cresceu na sua cabeça.
Tanto cresceu que acabou dando lhe tratos à bola.
Tomou formas variadas, de uma roda, de um canudo, de uma onda e tomou conta de tudo!
Entretanto a outra ideia, a ideia do casamento, foi mingando, mingando... que fugiu seu pensamento!

Enquanto isso, a Baratinha, bem feliz com a sua vida, aprontava-se sem saber que estava sendo esquecida.
As sete damas de honra, vestidas de cor-de-rosa, comentavam:
– Que linda, que beleza, como vai ficar formosa!

E vestiram com carinho a Senhora Baratinha.
E, cheias de entusiasmo, cantavam esta modinha:
– Vejam só que formosura, bem no dia do noivado, a Senhora Baratinha com seu vestido rendado!
Com seu véu de sete metros, sapatinhos de cetim, seu corpinho perfumado com essência de jasmim! Dirão todos, certamente, quando a virem tão faceira: “ Brilha mais do que a grinalda de flores de Laranjeira!”
Em dia de festa o tempo voa. E logo chegou a hora marcada para o casamento. Numa linda carruagem, forrada de azul-turquesa, lá se foi a Baratinha. Era mesmo uma beleza!
Ao seu lado, requintado, parecendo general, ia garboso o padrinho, o papagaio real! Mais atrás, em grande fila, em seus carros enfeitados, vinham parentes, amigos e o resto dos convidados.
Só não vinha no cortejo o Doutor João Ratão, pois como era costume, em tempos que já lá vão, o noivo e sua madrinha deveriam esperar a noiva com seu padrinho desde cedo ao pé do altar.
Mas, ao chegar, a Baratinha notou, cheia de aflição, que não havia chegado o Doutor João Ratão. A velha Dona Aranha, aguardando ao pé do altar, cochichou com a Mauritana: – Será que ele vai faltar?

De fato, o tempo passava e nada do João Ratão. Começou o falatório, começou a confusão. E, depois de várias horas daquela lenta agonia, mandaram três urubus para saber o que havia. Alguns minutos depois de uma corrida tremenda, os três urubus voltaram com esta notícia horrenda: – João Ratão caiu na panela do feijão!

Sim, meus caros amiguinhos, o Doutor João Ratão havia mesmo caído na panela do feijão! Foi no instante da partida. O carro já se afastava, Dona Cutina a seu lado, muito alegre palestrava, quando o cheiro do toucinho, fugindo do caldeirão, penetrou pelas narinas do Doutor João Ratão.

Pediu então ao cocheiro que parasse um só momento, dizendo ter esquecido as luvas no apartamento. E voltou em disparada, mas desviou seu caminho para o local de onde vinha o perfume do toucinho… Subiu numa cadeira, quis saltar sobre o fogão, mas errou o pulo e – bumba! Caiu dentro do feijão!

Mestre Macaco chegava. Muito aflito, vendo aquilo, largou dez pratos no chão e correu para acudi-lo. Com dois garfos suspendeu pelo rabo João Ratão, que saiu todo pelado, sujo, pingando feijão!
Vejam só, meus amiguinhos, quanto mal a gula faz! A gula modificou toda a vida do rapaz! João Ratão, que era belo, é hoje um rato nojento. Não perdeu por sorte a vida, mas perdeu o casamento! E quem hoje em dia passa por aquela casa antiga, ainda a vista a Baratinha repetindo esta cantiga:

– Quem quer casar com a Dona Baratinha, que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha?
FIM
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A ESTRELINHA

VEJO  À  NOITE  UMA  ESTRELINHA
NO  CÉU, PISCANDO,  PISCANDO...
MAMÃE  DIZ  QUE  ELA, DE  LONGE,
PISCA, PISCA,  ME  CHAMANDO...

QUANDO  EU  CRESCER  E  PAPAI
ME  COMPRAR  UM  AVIÃO,
VOU  TE  BUSCAR,  ESTRELINHA,
NA  PALMA  DA  MINHA  MÃO.

Martins d’Alvarez
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MARIA-VAI-COM-AS-OUTRAS

(SYLVIA ORTHOF)

        ERA UMA VEZ UMA OVELHA CHAMADA MARIA.
ONDE AS OUTRAS OVELHAS IAM, MARIA IA TAMBÉM.
AS OVELHAS IAM PRA BAIXO, MARIA IA PRA BAIXO.
AS OVELHAS IAM PRA CIMA, MARIA IA PRA CIMA.
MARIA IA SEMPRE COM AS OUTRAS.
UM DIA, TODAS AS OVELHAS FORAM PARA O PÓLO SUL. MARIA FOI TAMBÉM.
AI QUE LUGAR FRIO!
AS OVELHAS PEGARAM UMA GRIPE, MARIA PEGOU GRIPE TAMBÉM. ATCHIM!...ATCHIM!...
DEPOIS, FORAM AO DESERTO, E MARIA TAMBÉM.
AI QUE LUGAR QUENTE!
PEGARAM INSOLAÇÃO. E MARIA TAMBÉM.
UM DIA, TODAS AS OVELHAS RESOLVERAM COMER SALADA DE JILÓ. MARIA DETESTAVA JILÓ. MAS, COMO TODAS AS OVELHAS COMIAM JILÓ, MARIA COMIA TAMBÉM. QUE HORROR!
FOI QUANDO, DE REPENTE, MARIA PENSOU:
- SE EU NÃO GOSTO DE JILÓ, POR QUE É QUE EU TENHO QUE COMER SALADA DE JILÓ?

Extraido do livro (MARIA-VAI-COM-AS-OUTRAS de Sylvia Orthof)
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Porquinho- da - Índia

QUANDO EU TINHA SEIS ANOS
GANHEI UM PORQUINHO-DA-ÍNDIA.
QUE DOR NO CORAÇÃO ME DAVA
PORQUE O BICHINHO SÓ QUERIA
ESTAR DEBAIXO DO FOGÃO!
LEVAVA ELE PRA SALA
PRA OS LUGARES MAIS BONITOS MAIS LIMPINHOS
ELE NÃO GOSTAVA:
QUERIA ERA ESTAR DEBAIXO DO FOGÃO.
NÃO FAZIA CASO NENHUM DAS MINHAS TERNURINHAS...
— O MEU PORQUINHO-DA-ÍNDIA FOI MINHA PRIMEIRA
NAMORADA.
                                         Manuel Bandeira. Libertinagem. Rio de Janeiro, José Aguilar, 1967
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A SOPA DE PEDRA

        FOI UM DIA, PEDRO ESTAVA COM FOME E BATEU NA PORTA DE UMA VELHA RICA. MAS A VELHA NÃO ERA DE ACEITAR CONVIDADOS PARA O JANTAR. FOI DIZENDO:
       -  JÁ JANTEI E NÃO SOBROU COMIDA.
       - NÃO FAZ MAL _ DISSE PEDRO. _ SE A SENHORA ME EMPRESTAR UMA PANELA COM ÁGUA E FOGO, FAÇO UMA SOPA DE PEDRA.
       A VELHA FICOU CURIOSA:
       -  SOPA DE PEDRA? NUNCA OUVI FALAR NISSO.
       -  POIS É UMA SOPA ÓTIMA _ REPLICOU PEDRO.
       A VELHA ACENDEU O FOGO, ENCHEU UMA PANELA COM ÁGUA. PEDRO JOGOU UMA PEDRA DENTRO DA PANELA E COLOCOU-A NO FOGO.
       A VELHA INSISTIU:
       -  MAS ESTA SOPA VAI FICAR BOA MESMO?
       - CLARO QUE VAI! FICARIA MELHOR SE LEVASSE CEBOLA... MAS FICA BOA ATÉ SEM CEBOLA.
       -      ISSO POSSO ARRUMAR – DISSE A VELHA DANDO-LHE A CEBOLA. – MAS
VAI FICAR BOA MESMO?
       - COM CEBOLA ENTÃO!... – DISSE PEDRO, LAMBENDO OS BEIÇOS. – FICARIA MELHOR COM UM PEDAÇO DE CARNE. MAS SÓ COM CEBOLA VAI BEM.
      A VELHA ARRUMOU A CARNE.
            -      E FICARIA MELHOR SE LEVASSE TOMATE, UMAS BATATAS, REPOLHO...
E A VELHA FOI DANDO TUDO QUE ELE PEDIA. POR FIM, PEDRO FALOU EM SAL. A VELHA, MUITO CURIOSA, NÃO NEGOU.      
      PRONTA A SOPA, PEDRO TIROU DELA A PEDRA E PÔS-SE A TOMÁ-LA COM GRANDE APETITE.
       QUER PROVAR? – PERGUNTOU ELE À VELHA.
       ESTA ACEITOU LOGO. TOMOU O PRATO CHEIO E DISSE:
          -         ORA, VEJAM SÓ! POIS NÃO É QUE A TAL SOPA DE PEDRA É BOA MESMO!...

( O PULO DO GATO. ADAPTAÇÃO DE MARIA THEREZA CUNHA DE GIÁCOMO. MELHORAMENTOS/MEC. COLEÇÃO CONTOS E CANTIGAS BRASILEIRAS, VOLUME 1)
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Aquarela Música de Toquinho e Vinícius de Moraes

Composição: Toquinho/Vinicius de Moraes

Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo
Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva
E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva.

Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel
num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu
Vai voando, contornando a imensa curva Norte e Sul.

Vou com ela viajando Havaí, Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela branco navegando,
é tanto céu e mar num beijo azul.

Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo, com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está partindo, sereno e lindo
e se a gente quiser ele vai pousar.
Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida
com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida
De uma América a outra consigo passar num segundo
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo.

Um menino caminha e caminhando chega no muro
e ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar.

Não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar
Sem pedir licença muda nossa vida,
depois convida a rir ou chorar.
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar
Vamos todos numa linda passarela
de uma aquarela que um dia enfim
Descolorirá.

Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo (que descolorirá)
e com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo (que descolorirá)
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo (e descolorirá).

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A Cobra - Cantiga Popular

A COBRA NÃO TEM PÉ

A COBRA NÃO TEM MÃO

COMO É QUE A COBRA SOBE


NO PEZINHO DE LIMÃO (BIS)


VAI SE ENROLANDO, VAI, VAI (BIS)
A COBRA NÃO TEM PÉ


A COBRA NÃO TEM MÃO

COMO É QUE A COBRA DESCE

DO PEZINHO DE LIMÃO (BIS)
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A BAILARINA - CECÍLIA MEIRELES

A BAILARINA
ESTA MENINA
TÃO PEQUENINA
QUER SER BAILARINA.

NÃO CONHECE NEM DÓ NEM RÉ
MAS SABE FICAR NA PONTA DO PÉ.

NÃO CONHECE NEM MI NEM FÁ
MAS INCLINA O CORPO PARA CÁ E PARA LÁ.

NÃO CONHECE NEM LÁ NEM SI
MAS FECHA OS OLHOS E SORRI.
RODA, RODA, RODA COM OS BRACINHOS NO AR
E NÃO FICA TONTA NEM SAI DO LUGAR.

PÕE NO CABELO UMA ESTRELA E UM VÉU
E DIZ QUE CAIU DO CÉU.

ESTA MENINA
TÃO PEQUENINA
QUER SER BAILARINA.

MAS DEPOIS ESQUECE TODAS AS DANÇAS,
E TAMBÉM QUER DORMIR COMO AS OUTRAS CRIANÇAS.                                                                                                                                                                      CECÍLIA MEIRELES
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Parlenda - Cadê

CADÊ?
Nossa! Que escurão!
Cadê a luz?
Dedo apagou.
Cadê o dedo?
Entrou no nariz.
Cadê o nariz?
Dando um espirro.
Cadê o espirro?
Ficou no lenço.
Cadê o lenço?
Dentro do bolso.
Cadê o bolso?
Foi com a calça.
Cadê a calça?
No guarda-roupa.
Cadê o guarda-roupa?
Fechado à chave.
Cadê a chave?
Homem levou.
Cadê o homem?

Está dormindo

De luz apagada.
Nossa! Que escuro!

José Paulo Paes

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A Onça Doente Fábula de Monteiro Lobato
 A onça caiu da árvore e por muitos dias esteve de cama seriamente enferma. E como não pudesse caçar, padecia fome das negras.
Em tais apuros imaginou um plano.
- Comadre irara – disse ela – corra o mundo e diga à bicharia que estou à morte e exijo que venham visitar-me.
A irara partiu, deu o recado e os animais, um a um, principiaram a visitar a onça.
Vem o veado, vem a capivara, vem a cutia, vem o porco do mato.
Veio também o jabuti.
Mas o finório jabuti, antes de penetrar na toca, teve a lembrança de olhar o chão. Viu na poeira só rastos entrantes, não viu nenhum rastro sainte. E desconfiou:
- Hum!... Parece que nesta casa quem entra não sai. O melhor, em vez de visitar a nossa querida onça doente, é ir rezar por ela...
E foi o único que se salvou.
                                                                                          
                                                                              Fábula de Monteiro Lobato
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QUER  VER  A  FOCA
FICAR  FELIZ?
É  POR  UMA  BOLA
NO  SEU  NARIZ.

QUER  VER  A  FOCA
BATER  PALMINHA?
É  DAR  A  ELA
UMA  SARDINHA.

QUER  VER  A  FOCA
FAZER  UMA  BRIGA?
É  ESPETAR  ELA
BEM  NA  BARRIGA!

Vinicius de Moraes
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EU  VI  UMA  ARARA  VERMELHA
COM  PITANGAS  NAS  ORELHAS.

EU  VI  UMA  COBRA  JARARACA
ENGOLINDO  INTEIRA  UMA  JACA.

EU  VI  UMA  ONÇA  PINTADA
SE  COÇANDO  COM  A  ESPINGARDA.

EU  VI  O  SENHOR  JUVENAL
COMENDO  AÇÚCAR  COM  SAL.

EU  VI  UM  DROMEDÁRIO
FAZENDO  TRICÔ  NO  ARMÁRIO.

EU  VI  NO  MAR  A  BALEIA
DANÇANDO  COM  A  LUA  CHEIA.

EU  VI  UMA  CABRA  BRABA
DIZENDO  ABRACADABRA.
                          
Sérgio Capparelli 
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ESSA  CASA  É  DE  CACO
QUEM  MORA  NELA  É  O  MACACO.

ESSA  CASA  TÃO  BONITA
QUEM  MORA  NELA  É  A  CABRITA.

ESSA  CASA  DE  CIMENTO
QUEM  MORA  NELA  É  O  JUMENTO.

ESSA  CASA  É  DE  TELHA
QUEM  MORA  NELA  É  A  ABELHA.

ESSA  CASA  É  DE  LATA
QUEM  MORA  NELA  É  A  BARATA.

ESSA  CASA  É  ELEGANTE
QUEM  MORA  NELA  É  O  ELEFANTE.

E  DESCOBRI  DE  REPENTE
QUE  NÃO  FALEI  EM  CASA  DE  GENTE.

ELIAS JOSÉ
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ANDORINHA  NO  FIO

ESCUTOU  UM  SEGREDO

FOI  À  TORRE  DA  IGREJA.

COCHICHOU  COM  O  SINO.

E  O  SINO  BEM  ALTO

DELÉM-DEM

DELÉM-DEM

DELÉM-DEM

DELÉM-DEM!

TODA  A  CIDADE

FICOU  SABENDO.

HENRIQUETA LISBOA
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A POLEGARZINHA

Hans Christian Andersen
Era uma vez uma mulher que queria muito ter um filho, mas que não conseguia realizar este seu desejo. Um dia foi procurar uma fada e pediu-lhe:
- Gostava tanto de ter um filho! Ajuda-me, por favor.
- Isso é fácil - respondeu-lhe a fada. - Aqui tens um grão de cevada especial. É muito diferente da que cresce na seara do lavrador e é comida pelas galinhas. Planta-a num vaso de flores e repara bem no que lhe vai acontecer.
- Obrigada - disse a mulher, dando doze moedas à fada, que era o preço do grão de cevada.
Regressou a casa, plantou-o, brotando logo da terra uma grande e bela flor semelhante a um botão de tulipa.
«Que linda flor!», disse a mulher, dando um beijo nas pétalas vermelhas e douradas; nesse mesmo instante, a flor desabrochou com um grande ruído. Via-se agora que era uma autêntica tulipa; mas no seu interior, sobre um fundo verde, estava sentada uma minúscula menina, encantadora, que teria, quando muito, a altura de um polegar. Por isso, passaram a chamar-lhe Polegarzinha.
O berço onde dormia era uma casca de noz bem envernizada; o colchão era formado por pétalas de violeta e o cobertor era uma pétala de rosa. Aí dormia durante a noite, mas de dia brincava em cima da mesa, onde a mulher colocara um prato cheio de água, com uma grinalda de flores à volta. Nesse prato flutuava uma grande folha de tulipa sobre a qual a Polegarzinha se podia sentar e vogar em todas as direções com a ajuda de duas crinas brancas de cavalo que usava como remos. Era um encanto vê-la; além disso, a menina cantava com a voz mais suave e melodiosa que jamais tinha sido ouvida.
Uma noite, enquanto dormia, entrou no quarto, passando pelo vidro quebrado de uma janela, um sapo muito feio. O pavoroso animal, enorme e viscoso, saltou para a mesa onde dormia a Polegarzinha coberta com a pétala de rosa. «Que linda esposa para o meu filho!», pensou ele.
Pegou na casca de noz e, saindo pelo vidro partido, levou a menina para o jardim por onde corria um grande regato que ia dar a um pântano
Era nesse pântano que o sapo vivia com o seu filho que, se possível, era ainda mais feio do que o pai. «Croac! Croac!», exclamou ele ao ver a encantadora menina dentro da casca de noz.
-Não fales tão alto porque podes acordá-la - disse o velho sapo. - Poderia fugir-nos, pois é leve como as penas de um cisne. Vamos pô-la em cima de uma folha de nenúfar, no meio do regato. Ficará ali como numa ilha e não poderá fugir. Entretanto, vamos construir a vossa casa no fundo do pântano.
Dito isto, o sapo saltou para a água, escolheu uma grande folha de nenúfar presa à margem pelo caule, e nela colocou a casca de noz onde dormia a Polegarzinha.
Na manhã seguinte, ao acordar, a menina viu onde estava e começou a chorar; a água rodeava-a e, por isso, não podia voltar a terra.
O velho sapo, depois de ter enfeitado o quarto do fundo do pântano com canas e florinhas amarelas, nadou com o filho até à folha onde se encontrava a Polegarzinha, para levar a sua caminha para o quarto. Metido dentro de água, inclinou-se profundamente diante dela e disse:
- Apresento-te o meu filho, teu futuro esposo. Preparei-te uma casa magnífica no fundo do pântano.
- Croac! Croac! - acrescentou o filho.
Em seguida, pegaram na cama e afastaram-se, enquanto a Polegarzinha, sozinha sobre a folha verde, chorava de desgosto, pensando no feio sapo e no casamento com o seu horroroso filho.
Os peixinhos tinham ouvido o que o sapo dissera e, curiosos, foram à procura da menina. Quando a encontraram, acharam-na de tal modo graciosa que resolveram impedir o seu casamento com o feio sapo. Reuniram-se em volta do caule que segurava a folha e cortaram-no com os dentes. Então, a folha transportou a menina através do regato, para tão longe que os sapos nunca mais a viram.
À sua passagem, os pássaros iam cantando: «Que menina tão encantadora!» A folha ia flutuando cada vez para mais longe. Uma linda borboleta branca começou a voar à sua volta, e pousou sobre a folha para a admirar melhor. A menina, muito feliz por ter escapado ao sapo, extasiava-se com toda a beleza da natureza. Polegarzinha prendeu então uma ponta do seu cinto à borboleta e outra à folha. Puxada pelo insecto, a folha deslizava rapidamente sobre a água.
De súbito, aproximou-se um grande besouro. Pegou na menina e levou-a para cima de uma árvore. A Polegarzinha estava muito assustada, mas lamentava sobretudo a sorte da bela borboleta branca que ela atara à folha e que morreria de fome se não conseguisse libertar-se do cinto. O besouro ordenou que se sentasse sobre a maior folha da árvore, ofereceu-lhe suco de flores e, embora ela não se parecesse com um besouro, elogiou muito a sua beleza.
Pouco depois, os outros besouros que habitavam a mesma árvore vieram visitá-lo. As meninas besouros, ao vê-la, abanaram as antenas e disseram:
- Que miséria! Só tem duas pernas.
- E nem sequer tem antenas - acrescentou uma delas. - É magra e parecida com um homem. Como é feia!
E, no entanto, a Polegarzinha era encantadora; mas, embora o besouro que a trouxera a tivesse começado por achar bela, acabou por a considerar feia e não quis saber mais dela. Mandou-a descer da árvore e colocou-a em cima de uma margarida, restituindo-lhe a liberdade.
A menina começou a chorar, porque os besouros a tinham achado feia; no entanto, ela era imensamente bela.
A Polegarzinha passou o Verão sozinha, na grande floresta. Alimentava-se do suco das flores e bebia o orvalho que, pela madrugada, caía sobre as folhas.
Passou assim o Verão e depois o Outono. Chegou, por fim, o Inverno. Os pássaros que a tinham deliciado com os seus cantos, partiram para outros lugares. As árvores ficaram nuas, as flores murcharam e a grande folha de nenúfar que lhe tinha servido de tecto, enrolou-se sobre si mesma, transformada num talo seco e amarelo.
A pobre menina sofria com o frio, tanto mais que as suas roupas começavam a cair em farrapos. Em breve começou a nevar e, a cada floco que lhe caía em cima, a Polegarzinha gelava ainda mais. Embrulhou-se numa folha seca, mas não conseguiu aquecer-se: estava prestes a morrer de frio.
Para lá da floresta havia uma grande seara de trigo, que estava agora seca e gelada. A Polegarzinha atravessou-a com dificuldade e chegou a casa da rata do campo. Bateu-lhe à porta e pediu-lhe um grão de cevada, pois há dois dias que não comia.
- Pobre menina! -respondeu a velha rata do campo que tinha bom coração. - Vem comer comigo lá para dentro que está mais quentinho.
Depois, como gostou da Polegarzinha, acrescentou:
- Vem passar o Inverno comigo. Em troca, limpar-me-ás o quarto e contar-me-ás histórias bonitas.
Encantada, a menina aceitou.
- Vamos receber uma visita - disse um dia a velha ratinha. – Tenho um vizinho que me costuma visitar todas as semanas. Vive melhor que eu: tem grandes salões e usa uma bela capa de veludo. Saía-te a sorte grande se ele quisesse casar contigo.
Chegou o vizinho que era, afinal, uma toupeira. Falou da sua riqueza e sobre a sua instrução. Mas a toupeira não sabia falar sobre as flores e sobre o Sol, pois nunca os tinha visto. A Polegarzinha principiou a cantar e a toupeira, encantada com a sua bela voz, desejou logo casar com ela, mas não disse nada, pois era muito bem educada.
Para agradar às suas vizinhas, convidou-as para um passeio pelas galerias que ela própria abrira, recomendando que não se assustassem com uma ave morta que lá estava desde o princípio do Inverno.
Da primeira vez que Polegarzinha e a rata visitaram as galerias, a toupeira foi à frente para lhes indicar o caminho. Abriu um buraco mesmo por cima do local onde se encontrava a avezinha para que a luz entrasse. Polegarzinha viu que se tratava de uma andorinha que morrera de frio. A toupeira empurrou a andorinha com as suas patas, dizendo:
- Esta não cantará mais! Que infelicidade nascer-se pássaro! Uma criatura como esta tem por única riqueza o seu canto e no Inverno morre de fome.
A Polegarzinha não disse nada, mas quando a toupeira e a rata voltaram as costas, inclinou-se sobre o corpo da ave e beijou-lhe os olhos.
«Talvez seja a mesma que cantou para mim durante este Verão» - pensou ela - «pobre avezinha, como tenho pena de ti!»
Nessa noite, a Polegarzinha não conseguiu dormir. Levantou-se e teceu um bonito tapete de feno, levou-o para o corredor e estendeu-o por cima da ave morta. Depois, aconchegou-a com algodão que encontrara em casa da ratinha e apoiou a cabeça no peito da andorinha. Ergueu-se imediatamente, muito assustada, pois ouvira o coração da ave a bater levemente. Afinal a andorinha estava somente entorpecida e o calor tinha-a reanimado.
A Polegarzinha ainda tremia de susto. Comparada com ela, cuja altura não excedia a de um dedo, a andorinha parecia um gigante. No entanto, ganhou coragem, foi buscar a folha de hortelã que lhe servia de travesseiro e colocou-a por baixo da cabeça da avezinha.
Na noite seguinte, a menina voltou e encontrou-a viva, mas muito fraca.
- Agradeço-te muito, gentil menina - disse a ave - conseguiste reanimar-me. Dentro de pouco tempo recuperarei todas as minhas forças e, em breve, conseguirei voar na direção dos raios do sol.
- Lá fora faz frio, neva e está tudo gelado. Fica na caminha que eu tomo conta de ti – prometeu a menina.
Durante todo o Inverno, às escondidas da rata e da toupeira, a Polegarzinha tratou da andorinha com todo o seu carinho. Quando a Primavera chegou, a ave despediu-se da rapariguinha e convidou-a a ir com ela. A menina recusou, pois sabia que, se aceitasse o convite, causaria um desgosto à velha ratinha do campo.
Viu partir a andorinha com lágrimas nos olhos. O seu desgosto era ainda maior porque não podia sair e aquecer-se ao Sol. O trigo tinha crescido por cima da casa da ratinha dos campos. Parecia uma autêntica floresta onde ela tinha medo de se aventurar.
A toupeira acabou por pedi-la em casamento e a Polegarzinha teve que fiar sem descanso o seu enxoval. A rata do campo contratou quatro aranhas que teceram noite e dia.
A toupeira visitava-as todas as noites e falava sobre os inconvenientes do Verão, que torna a terra ardente e insuportável. Deste modo, combinaram que a boda só se realizaria no final da estação. Enquanto esperava, Polegarzinha ia muitas vezes à porta e ficava a contemplar o azul do céu, através das espigas agitadas pelo vento. Pensava na andorinha que estava longe e que talvez nunca mais voltasse.
Chegou o Outono e, entretanto, o enxoval ficou pronto.
- Dentro de quatro semanas é a boda! - Disse-lhe a ratinha.
A menina chorou porque não queria casar com a toupeira
- Que disparate! - Exclamou a ratinha. - Não sejas teimosa. Olha que te mordo! Devias considerar-te muito feliz por casares com um homem tão belo e tão rico.
O dia da boda chegou. A toupeira apresentou-se para levar a noiva que, daí em diante, deveria viver debaixo do chão, sem voltar a ver o Sol, porque o seu marido não o podia suportar.
- Adeus, belo Sol! - Disse ela, com um ar muito triste, erguendo os braços. – Adeus! Estou condenada a viver longe dos teus raios.
Deu alguns passos no campo ceifado e beijou uma florinha vermelha.
«Piu, piu!», ouviu nesse mesmo instante. Ergueu a cabeça e viu a andorinha que passava. A ave desceu rapidamente, repetindo o seu alegre piar, e pousou junto da sua amiguinha que, chorando, lhe contou que a queriam casar com a toupeira.
- O Inverno está a chegar - disse a andorinha. - Vou partir para as regiões quentes. Vem comigo e deixa para trás a toupeira. Iremos para lá das montanhas, onde o Sol brilha ainda mais do que aqui, onde o Verão e as flores duram o ano inteiro.
- Sim, irei contigo! - Respondeu a Polegarzinha.
Sentou-se em cima da ave e prendeu-se às penas com o auxílio de um cinto. A andorinha levantou voo e atravessou a floresta, o mar e as altas montanhas cobertas de neve. A Polegarzinha teve frio, mas aconchegou-se debaixo das penas do pássaro, deixando só a cabeça de fora para admirar a bela paisagem que ia passando.
Foi assim que chegaram às regiões quentes onde abundam os vinhedos, os pomares de laranjas e de limões e onde milhares de plantas maravilhosas enchem o ar com os seus aromas.
A andorinha parou perto de um lago azul, à beira do qual se erguia um velho castelo de mármore, rodeado de colunas onde se apoiavam magníficas parreiras. Nos telhados havia muitos ninhos. Num desses ninhos morava a andorinha.
- Esta é a minha casa - disse a ave. – Quanto a ti, escolhe a flor mais bela para viveres.
- Que felicidade! - Respondeu a Polegarzinha, batendo palmas.
A andorinha colocou a menina em cima de uma enorme flor, branca e perfumada.
Qual não foi o espanto da criança quando viu um homenzinho tão transparente como o cristal, sentado sobre a flor. Trazia na cabeça uma coroa de ouro e um par de asas brilhantes. Não era maior do que um polegar. Era o rei das flores.
- Como ele é belo! – Comentou a menina, em voz baixa.
O principezinho ficou um pouco assustado quando viu o tamanho da andorinha, mas tranquilizou-se quando viu a Polegarzinha. Achou-a muito linda e pediu-lhe que casasse com ele.
Polegarzinha aceitou. Os súbditos do rei saíram das flores onde viviam e trouxeram-lhe presentes maravilhosos. O mais belo, porém, foi um par de asas transparentes que tinham pertencido a uma grande mosca branca. Com elas presas às costas, a Polegarzinha podia voar de flor em flor.
- Daqui em diante passas a chamar-te Maia - disse o rei das flores.
- Adeus, adeus! - Disse a andorinha, recomeçando o seu voo com destino à Dinamarca.
Quando chegou à Dinamarca, dirigiu-se imediatamente para o seu ninho construído por cima da janela onde o autor destes contos a esperava.
«Piu, piu!», disse-lhe ela. E foi assim que ele soube de toda esta aventura.
Fim
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A Galinha Ruiva e o Outono

Era uma vez uma galinha ruiva, que morava com seus pintainhos numa quinta.
Quando chegou o Outono, as primeiras folhas começaram a cair e ela percebeu que o milho estava maduro, pronto para colher e fazer um bolo delicioso.
A galinha ruiva teve a ideia de fazer um delicioso bolo de milho para a Festa do Outono. Todos iriam gostar!
Ela ia ter muito trabalho, pois precisava de milho para o bolo.
Quem podia ajudar a colher a espiga de milho?
Quem podia ajudar a debulhar todo aquele milho?
Quem podia ajudar a moer o milho para fazer a farinha de milho para o bolo?
Foi pensando nisso que a galinha ruiva procurou os seus amigos:
Vou fazer a Festa do Outono mas preciso de ajuda para fazer o bolo de milho.
Quem me pode ajudar a colher o milho?
Eu não, disse o gato.
Estou com muito sono.
- Eu não, disse o cachorro. Estou muito ocupado.
Eu não, disse o porco. Acabei de almoçar.
- Eu não posso ajudar - disse a vaca. Está na hora de brincar lá fora.
Todos os amigos disseram que não podiam ajudar. A galinha ficou muito triste!
A galinha fez tudo sozinha…fez o bolo de milho, toda a comidinha e preparou a festa do Outono sozinha.
Aquele cheirinho bom de bolo foi fazendo os amigos chegarem perto dela.
Todos ficaram com água na boca.
Então a galinha ruiva disse:
Quem foi que me ajudou a colher o milho, preparar o milho, para fazer o pão?
Todos ficaram bem quietinhos porque ninguém tinha ajudado a galinha.
Então quem vai comer o delicioso pão de milho sou eu e meus pintainhos, e mais ninguem vai à festa do Outono.
Vocês podem continuar a descansar e a olhar.
E assim foi: a galinha e os seus pintainhos aproveitaram a festa do Outono, e nenhum dos preguiçosos foi convidado para comer o bolo.
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Terezinha e Gabriela -  Ruth Rocha

Gabriela menina, Gabriela levada. Ô, menina encapetada... Gabriela sapeca: — Menina, como é que você se chama? — Eu não me chamo, não, os outros é que me chamam Gabriela. Gabriela serelepe: — Menina, para onde vai essa rua? — A rua não vai, não, a gente é que vai nela.
Gabriela na escola: — Gabriela, quem foi que descobriu o Brasil? — Ah, professora, isso é fácil, eu só queria saber quem foi que cobriu. Gabriela não deixava a professora em paz: — Professora, céu da boca tem estrelas? — Professora, barriga da perna tem umbigo? — Professora, pé de alface tem calos?
Gabriela era quem inventava as brincadeiras — Vamos brincar de amarelinha? Todo mundo ia. — Vamos brincar de pegador? Todos concordavam. Todos queriam brincar com Gabriela.
Foi aí que mudou, para a mesma rua da Gabriela, a Teresinha. Teresinha loirinha, bonitinha, arrumadinha. Teresinha estudiosa, vestida de cor-de-rosa. Teresinha. Que belezinha...
Os amigos vinham contar a Gabriela: — Teresinha tem um vestido com rendinha. — Teresinha tem uma caixinha de música. — Teresinha tem cachos no cabelo. Gabriela já estava enciumada: — Grande coisa, cachos! Bananeira também tem cachos!
Gabriela não queria nem ver Teresinha: — Menina enjoada, não sabe correr, não suja o vestido, só vive estudando. Deus me livre! — Mas ela é boazinha — os meninos diziam. — Boazinha, nada! Ela é sonsa. — Mas você nunca falou com ela, Gabriela. — Não interessa. Não falei e não gostei, pronto!
Mas Gabriela já estava impressionada, de tanto que falavam da Teresinha. E Gabriela começou a se olhar no espelho e achar o seu cabelo muito sem graça: — Mamãe, eu queria fazer cachos nos cabelos. — Mamãe, eu queria um vestido cor-de-rosa. — Mamãe, eu queria uma caixinha de música.
E Gabriela começou a se modificar. Na escola, no recreio, Gabriela não pulava corda e nem brincava de esconde-esconde. Ficava sentadinha, quietinha, fazendo tricô. De tarde, Gabriela não ia mais brincar na rua para não sujar o vestido. E, à noite, muito em segredo, Gabriela enchia a cabeça de papelotes para encrespar os cabelos.
Os amigos vinham chamar Gabriela: — Gabriela, vamos andar de bicicleta? — Agora eu não posso — respondia Gabriela. — Preciso ajudar a mamãe. A mãe de Gabriela estranhava: — Que é isso, menina? Você não tem nada para fazer agora. E Gabriela, com ares de gente grande, respondia: — Eu já estou crescida para essas brincadeiras...
E Teresinha? O que é que estava acontecendo com Teresinha? Teresinha só ouvia falar de Gabriela: — Gabriela é que sabe pular corda. — Gabriela usa rabo-de-cavalo para o cabelo não atrapalhar. — Gabriela só usa calças compridas. Teresinha respondia com pouco-caso: — Que menina mais sem modos! Deus me livre...
Mas, quando as crianças saíam, Teresinha pedia: — Mamãe, eu quero umas calças compridas. E, no fundo do quintal, Teresinha treinava, pulando corda e amarelinha, para ir brincar na rua, como Gabriela. E, na primeira vez que as duas se encontraram, a turma nem queria acreditar.
Gabriela, fazendo pose de moça, de cabelos cacheados, sapatos de pulseirinha, vestido todo bordado. Gabriela empurrando o carrinho da boneca, comportadíssima. Teresinha pulando sela, assoviando, levadíssima.
As duas se olharam, no começo, desconfiadíssimas. Depois, começaram a rir porque estavam mesmo muito engraçadas.
Agora, Teresinha e Gabriela são grandes amigas. E cada uma aprendeu muito com a outra. Gabriela sabe a lição de história do Brasil, embora seja ainda a campeã de bolinha de gude. E Teresinha, embora seja ainda uma boa aluna na escola, já sabe andar de bicicleta, pular amarelinha, e até já está aprendendo a fazer suas gracinhas.
Ontem, quando a professora perguntou a Teresinha: — Minha filha, o que você vai ser quando crescer? Teresinha não teve dúvidas: — Vou ser grande, ué!
Você acha que foi bom ou que foi ruim Terezinha e Gabriela ficarem amigas? Você também tem amigos diferentes de você? O que é que você aprende com eles? E eles? O que é que eles aprendem com você? Invente um amigo que você gostaria de ter. Com todas as qualidades que você gosta, e com alguns defeitos também... — Por que todo mundo tem defeitos. 
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O Dono da Bola

Este é o Caloca. Ele é um amigo legal. Mas ele não foi sempre as- sim, não. Antigamente ele era o menino mais enjoado de toda a rua. E não se chamava Caloca. O nome dele era Carlos Alberto.
E sabem por que ele era assim enjoado? Eu não tenho certeza, mas acho que é porque ele era o dono da bola. Mas me deixem contar a história, do começo.
Caloca morava na casa mais bonita da nossa rua. Os brinquedos que Caloca tinha, vocês não podem imaginar! Até um trem elé- trico ele ganhou do avô. E tinha bicicleta, com farol e buzina, e tinha tenda de índio, carri- nhos de todos os tamanhos e uma bola de futebol, de verdade. Caloca só não tinha amigos. Porque ele brigava com todo mundo. Não deixava ninguém brincar com os brinquedos dele. Mas futebol ele tinha que jogar com a gente, porque futebol não se pode jogar sozinho.
O nosso time estava cheio de amigos. O que nós não tínhamos era bola de futebol. Só bola de meia, mas não é a mesma coisa. Bom mesmo é bola de couro, como a do Caloca. Mas, toda vez que a gente ia jogar com Caloca, acontecia a mesma coisa. Era só o juiz marcar qualquer falta do Caloca que ele gritava logo: — Assim eu não jogo mais! Dá aqui a minha bola! — Ah, Caloca, não vá embora, tenha espírito esportivo, jogo é jogo... — Espírito esportivo, nada! — berrava Caloca. — E não me chame de Caloca, meu nome é Carlos Alberto!
E, assim, Carlos Alberto acabava com tudo que era jogo. A coisa começou a complicar mesmo, quando resolvemos entrar no campeonato do nosso bairro. A gente precisava treinar com bola de verdade para não estranhar na hora do jogo. Mas os treinos nunca chegavam ao fim. Carlos Alberto estava sempre procurando encrenca:
— Se o Beto jogar de centroavante, eu não jogo! — Se eu não for o capitão do time, vou embora! — Se o treino for muito cedo, eu não trago a bola! E quando não se fazia o que ele queria, já se sabe, levava a bola embora e adeus, treino.
Catapimba, que era o secretário do clube, resolveu fazer uma reunião: — Esta reunião é pra resolver o caso do Carlos Alberto. Cada vez que ele se zanga, carrega a bola e acaba com o treino. Carlos Alberto pulou, vermelhinho de raiva: — A bola é minha, eu carrego quantas vezes eu quiser! — Pois é isso mesmo! — disse o Beto, zangado. — É por isso que nós não vamos ganhar campeonato nenhum! — Pois, azar de vocês, eu não jogo mais nessa droga de time, que nem bola tem! E Caloca saiu pisando duro, com a bola debaixo do braço.
Todas as vezes que o Carlos Alberto fazia isso, ele acabava voltando e dando um jeito de entrar no time de novo. Mas, daquela vez, nós estávamos por aqui com ele. A primeira vez que ele veio ver os treinos, ninguém ligou.
Ele subiu no muro, com a bola debaixo do braço como sempre, e ficou esperando que alguém pedisse para ele jogar. Mas ninguém disse nada. Quando o Xereta passou por perto, ele puxou conversa: — Que tal jogar com bola de meia? Xereta deu uma risadinha: — Serve...
Um dia, nós ouvimos dizer que o Carlos Alberto estava jogando no time do Faz-de-Conta, que é um time lá da rua de cima. Mas foi por pouco tempo. A primeira vez que ele quis carregar a bola no melhor do jogo, como fazia conosco, se deu muito mal... O time inteiro do Faz-de-Conta correu atrás dele e ele só não apanhou porque se escondeu na casa do Batata.
Aí, o Carlos Alberto resolveu jogar bola sozinho. A gente passava pela casa dele e via. Ele batia bola com a parede. Acho que a parede era o único amigo que ele tinha. Mas eu acho que jogar com a parede não deve ser muito divertido. Porque, depois de três dias, o Carlos Alberto não agüentou mais. Apareceu lá no campinho.
— Se vocês me deixarem jogar, eu empresto a minha bola. — Nós não queremos sua bola, não. — Ué, por quê? — Você sabe muito bem. No melhor do jogo você sempre dá um jeito de levar a bola embora. — Eu não, só quando vocês me amolam. — Pois é por isso mesmo que nós não queremos, só se você der a bola para o time de uma vez. — Ah, essa não! Está pensando que eu sou bobo?
E Carlos Alberto continuou sozinho. Mas eu acho que ele já não estava gostando de estar sempre sozinho. No domingo, ele convi- dou o Xereta para brincar com o trem elétrico. Na segunda, levou o Beto para ver os peixes na casa dele. Na terça, me chamou para brincar de índio. E, na quarta, mais ou menos no meio do treino, lá veio ele com a bola debaixo do braço.
— Oi, turma, que tal jogar com uma bola de verdade? Nós estávamos loucos para jogar com a bola dele. Mas não podíamos dar o braço a torcer. — Olha, Carlos Alberto, você apareça em outra hora. Agora, nós precisamos treinar — disse Catapimba. — Mas eu quero dar a bola ao time. De verdade! Nós todos estávamos espantados: — E você nunca mais pode levar embora? — E o que é que você quer em troca? — Eu só quero jogar com vocês...
Os treinos recomeçaram, animadíssimos. O final do campeonato estava chegando e nós precisávamos recuperar o tempo perdido. Carlos Alberto estava outro. Jogava direitinho e não criava caso com ninguém.
E, quando nós ganhamos o jogo final do campeonato, todo mundo se abraçou. A gente gritava: — Viva o Estrela-d'Alva Futebol Clube! — Viva! — Viva o Catapimba! — Viva! — Viva o Carlos Alberto! — Viva! Então, o Carlos Alberto gritou: — Ei, pessoal, não me chamem de Carlos Alberto! Podem me chamar de Caloca!
Faça de conta que Caloca tinha um diário. Escreva o diário do Caloca. E conte como é que o Caloca se sentia, desde que ganhou a bola até que deu a bola ao time. Você já deu alguma coisa sua a seus amigos?
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A Fadinha Celeste

Celeste é um fadinha de asas azuis, que vive a voar entre as flores.
Carrega pólen em suas asas e vive a brincar de pega-pega com as borboletas, abelhas e besouros.
Celeste mora no meu jardim, que vive sempre florido, pois não permite que agridam a natureza.
Ela chora quando pisam as flores ou maltratam seus amigos, e lança seus encantamentos em multicores nas asas das borboletas e nas pétalas das flores.
Celeste não aparece para qualquer um, só para quem tem olhos de ver, que não agride a natureza pode a fada Celeste ver.
Quando você passar por um jardim, preste bem atenção, quem sabe não vê a Celeste a brincar entre as borboletas ou a beijar suavemente as margaridas, brincando de esconde-esconde entre as flores, ou ainda, brincado de cavalinho com as libélulas?
Só não vá querer prender a fadinha nem seus amigos, pois se o fizer, o jardim vai secar de tristeza, as flores vão murchar,
a terra secar, e vai chorar a natureza.